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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Historinha de tapetes

Eu aprendi rudimentos de tapeçaria e fui fazendo um tapete só para mim. Bem colorido, com contornos de ostras, de maçã madura e de letras cursivas. Era para ser um tapete de dimensões necessárias, um por um, em que eu pudesse sentar confortável e sorrir. Sempre fui bem pequena por fora, mas por dentro... não sei como é possível ser tão espalhada. Pensei em aumentar o tapete, para o caso de um dia a imensidão interior resolver saltar ao lado de fora e para poder receber os amigos, os simpáticos e os desconhecidos. Eu sempre quis fazer coisas bonitas, mas o meu melhor foi esse tapete de lã fina, que era para não ser dividido e virou um convite a quem quisesse se acomodar.

Um dia eles começaram a chegar. Acho que gostaram do meu tapete, mas jamais entenderam o tom convidativo de nenhum dos meus atos. Então, primeiro eles cortaram as beiradas do meu tapete. E riram nas salas de portas fechadas. Depois, jogaram terra e pedras no meu tapete. Conseguiram sujar a minha roupa azul. Continuavam rindo, agora pelos cantos, cobrindo a boca com as mãos.

Eles vieram muitas vezes, fizeram várias tentativas. Não sei o que tinham contra o meu tapete. Um dia eles puxaram com força e o tiraram de mim. Enrolaram, pisaram em cima. E agora já não disfarçavam mais o riso. Gargalhavam alto e apontavam os indicadores em minha direção. Mas eu tinha uma ideia fixa nesse negócio de tapete e tive uma ideia muito boa. Brilhante, mesmo: passei a descrever o meu tapete para eles. Contei dos detalhes, das cores de que eu mais gostava, de como fazia para colocar cada fiapo de lã nos buracos da tela. Dessa vez eles não riram. Tenho a impressão de que se zangaram realmente comigo pela minha atitude. Mandaram- me parar.

Daí eu pensei que deveria estar fazendo errado, que meu relato estava saindo em voz muito baixa e esse era provavelmente o motivo da irritação deles. Eu não desisti. Meu-tapete-tem-ondas-amarelas-e-três-ostras-redondas, comecei a dizer, aos gritos. Senti meu rosto quente na terceira bofetada, um pouco antes de perder a força de berrar. Fizeram-me calar. Mas eu havia feito o tapete mais bonito do meu mundo e desejava o reconhecimento alheio, precisava da acolhida deles para acreditar no meu talento excepcional de fazedora de tapetes, para convencer a mim mesma dessa tão rara competência artesanal, e o olhar furioso deles estava me sufocando como quando as crianças amarram acidentalmente sacolas do supermercado na cabeça e obstruem a entrada do ar pelo nariz e pela boca e quando o instante entre a agonia e o fim já durara mais do que o suportável, eu.

Eu pensei em fazer um tapete ainda mais bonito e confortável. E a experiência que adquiri fazendo o primeiro tapete me deu condições de arranjar os fios de lã de um jeito novo. Fui pensando, pensando, pensando cada linha desse outro tapete, e pensando com tanta força que o tecer mental quase fazia barulho. Terminei tão rápido que eles nem perceberam a trama. Estavam indo embora e um vento fez os cabelos da nuca de alguns deles arrepiar. Deram a volta, correram até mim e já sacavam canivetes dos bolsos quando levantei voo e sumi de suas vistas. Renderam-se ao tapete mais bonito que já haviam visto e não tinham a menor ideia de que poderiam fabricar os seus próprios tapetes mais bonitos do mundo.

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Andréia Alves Pires
Nasceu em Rio Grande, cidade ao sul do Rio Grande do Sul, é jornalista, mestre em história da literatura e autora do livro de contos De solas e asas. Integra o Coletivo Fita Amarela, colabora semanalmente com contos ao jornal Diário Popular e publica o que escreve, em primeira mão, no blog www.desolaseasas.blogspot.com.
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