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domingo, 27 de março de 2016

Colcha de Retalhos #19

Seguem alguns breves textos da coluna Colcha de Retalhos, homônima do livro que está disponível gratuitamente AQUI:


CAPACIDADE

Desde que o tempo é tempo, as pessoas desejam ter a capacidade de enxergar através das outras. Sensações, senti¬mentos e os mais profundos pensamentos. E a essa capacidade, deu-se o nome de compreensão.
Nos tempos atuais, caminhando pela rua, percebe-se que as pessoas têm a capacidade de enxergar através das outras. E a essa capacidade, dá-se o nome de indiferença.




INCAPACIDADE

Eram feitos um para o outro.
Ela muda. Ele cego.
Ela muda. Ele surdo.
Cansada de mudar sem ser vista ou ouvida, ela fez um enorme discurso de despedida.
Ele mudo.




IDADE DAS TREVAS

Foi-se, há muito tempo, o tempo em que a felicidade era compartilhada e a tristeza comovia.
Nestes novos tempos, a felicidade dos outros incomoda. E a tristeza, a tristeza é alheia.




JARDIM DE INVERNO

Mãe e filho aguardavam pela consulta na sala de espera.
Ela estava entretida com uma revista, lendo sobre a vida daqueles que menos se importam com a vida alheia. Enquanto isso, ele se divertia com a cara grudada no vidro. Desenhando na parte embaçada pelo próprio bafo, criando estórias e aventuras envolvendo a pequena selva que o enca¬rava através do vidro.
Depois de um tempo, entediado, o garoto decidiu que queria explorar os territórios além-vidro, e questionou a mãe:
— Mãe, eu posso brincar neste quintalzinho?
— Não é um quintalzinho, filho, é um jardim de inverno. E não pode brincar nele, jardim de inverno é só para ver.
O garoto, ainda parado de frente para o vidro, pensou um pouco e respondeu:
— Eu quero ter um desses em casa.
— Não dá, meu filho, só gente com muito dinheiro con¬segue ter um desses em casa.
O garoto entendeu a lição.
Muitos anos depois, ele parou com o rosto colado no vi¬dro da vitrine de uma das lojas mais caras da cidade. Desta vez, ele é que foi questionado:
— Papai, o que é que você está olhando?
— Jardins de inverno.
E seguiram em frente. Não dava para brincar além do vidro.


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Rodrigo Domit
Nascido no Paraná e atualmente morando no Rio de Janeiro, Rodrigo Domit é graduado em Comunicação Social e escreve contos e poesias desde 2003. É coautor do livro Vem cá que eu te conto (2010) e autor do livro Colcha de Retalhos (2011). Entre outros certames literários, já foi selecionado nos concursos Luiz Vilela (Contos - 2007), Helena Kolody (Poesias - 2008 e 2009), Prêmio Nacional SESC (Livro de Contos - 2008) e Prêmio ler&Cia - Livrarias Curitiba (Contos - 2011); Além destas classificações, foi 1º colocado nos concursos: Machado de Assis - SESC-DF (Contos - 2011), Prêmio Cidadão (Poesia - 2011), Concurso Literário de Suzano (Poesia - 2012) e Prêmio Utopia (Livro de Contos - 2010). Colabora na produção e seleção de conteúdo para o jornal Algo a Dizer e mantém publicações mensais no jornal Sobrecapa Literal e neste espaço da revista Samizdat. Além disso, administra o blog Concursos Literários, onde são divulgados certames literários de todo o Brasil, de Portugal e de outros países lusófonos.
todo dia 27


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