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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Sacro Ofício



Por Lohan Lage Pignone

A poesia causa dor lacerante
Na folha de papel
Que vê ceifada a sua pureza
Quando tocada pelo cabo úmido
De uma pena, com sutileza.

Desvirginada, a folha antes casta
Agora de sua essência se afasta
Cedendo todas as suas margens
Às invasoras que se dizem marginais.

Outros seres a possuem
Sem permissão.
Objetos pontiagudos,
Nas mãos de homens mudos
Que só dizem em poesia
Maculando a honra daquela
Cuja dor lhes é de serventia.

Poetas,
Réus sempre absolvidos
Pela absorção das palavras!
Bate o martelo:
Toda letra fere,
Mas toda palavra cura
Justifica-se em juízo
A dor e a desonra causada àquela que outrora
Era pura.
Diz-se que é ofício sagrado,
Desta mulher mariana, que recebe em teu ventre
Um filho nunca rogado.

À folha, resta o sangue
Azul, negro, vermelho
Que discorre poeticamente
Pelo alvo corpo passivo
Causa marca, permanente:
Território do (minado).

A poesia adoece a folha
Quando o verso dilacera ferida
Aberta às moscas,
Carne crua, fétida.
A violência se faz vã
Poeta condenado, e o rasgo
No coração, nos membros,
Súplica dolorida!
De cada canto,
De cada fibra,
Arrancaram-lhe a vida.
Corpo esquartejado
Relegado ao vento
Espalha-se pela eternidade
Como folhas de outono
Em plena invernia
Poética.

E, de vida própria, nunca se resta nada:
Mais uma página virada.




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