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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Casquinha de bebê

Mãe de segunda viagem, a Mariana sabia exatamente o que era parir, mas estava apreensiva com a filha mais velha, nascida cinco anos e três meses antes. A caçula chegaria em alguns dias, bolsa do bebê organizada e o quarto amarelo pronto para o retorno da maternidade. Não sabia ainda quem cuidaria da Roberta durante a maratona do hospital. Queria sua mãe do lado, do pronto socorro à observação, do marido fazia questão, com o pai e os sogros, falecidos, só poderia contar mentalmente. Sem parentes próximos, antes de recorrer à amiga do peito e a babás o cunhado precisava ser opção.

Um cara muito legal, o Luis. Finalmente permaneceu em um trabalho decente e há bom tempo largou as noitadas de segunda a segunda, e dizia andar calmo com a mulherada. Queria se ajeitar e fazer família, como manda o figurino. Antes de conhecer o marido a Mariana se encantou pelo Luis num barzinho. Quando lembra disso, ela sabe que convém manter uma distância formal do cunhado, aquele querido. Pois o Luis tinha uma folga longa para tirar e seria um prazer ficar com a Roberta enquanto o resto da família esperava, in loco, a Clarissa vir à luz. Fica sossegada, cunhada. Robertinha e eu nos damos muito bem. Tem iogurte na geladeira, folhas em branco e lápis de cor, devedê da Galinha Pintadinha. Vai dar tudo certo. Mariana aliviada.

Contrações e estrelas de dor. Mariana chegou ao hospital quase meio-dia de uma quinta-feira e saiu no fim da tarde de terça. Previa parto normal, recuperação rápida, e as filhas juntinhas em dois tempos. Destino atravessado, o bebê veio de cesariana depois de quase um dia de força feita pelos corredores. Veio. Rosada e cheia de cabelos. Ainda bem. Já em casa, as máximas em 30 graus na região, dizia a moça da previsão do tempo, a mãe preparava o banho da pequena com a ajuda da Roberta. Filha, olha bem a maninha, não deixa que ela role na cama, vou buscar a toalha e já volto, tá? Tá. O bebê remexia as pernas no ar e tinha ainda no corpo resquícios da camada esbranquiçada e gordurosa dos que acabam de nascer.

Custou a acreditar no que viu quando voltou ao quarto. Roberta, estás beliscando a tua irmã? Eu não, mãe. Tô tirando a casquinha. Como assim, filha? Isso é da pele da maninha, não se tira, porque dói. Some sozinho, com o passar dos dias, conforme o bebê vai crescendo e tomando banho. Tira, sim. O tio Luis explicou que é carinho. Mas acho que ele tava fazendo errado. Intrigada, Mariana quis saber. Como assim, Rô? É, assim, mãe. Ele me ensinou essa brincadeira, de tirar casquinha, mas eu não tinha casquinha nenhuma, então ele me esfregava e me ensinava a fazer esse carinho diferente. Depois era a minha vez de tirar a casquinha dele, só que ele também não tinha casquinha. Daí eu fazia igual: esfregava. Dá calor, mãe. É bom. Tu já brincou de casquinha? Pasma, Mariana buscou detalhes. E ele te esfregava onde, Rô? Como? Assim, mãe, aqui ó, mostrava a filha apontando o fundilho das calças. Vou ensinar o tio Luis a fazer direito, mãe. Da maninha ele vai conseguir tirar a casquinha.

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Andréia Alves Pires
Nasceu em Rio Grande, cidade ao sul do Rio Grande do Sul, é jornalista, mestre em história da literatura e autora do livro de contos De solas e asas. Integra o Coletivo Fita Amarela, colabora semanalmente com contos ao jornal Diário Popular e publica o que escreve, em primeira mão, no blog www.desolaseasas.blogspot.com.
todo dia 22


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