Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

terça-feira, 17 de junho de 2014

Dez perguntas para Ana Elisa Ribeiro



1 – Para começar, quem é Ana Elisa Ribeiro?
Aqui, pra você, sou poetisa. Escrevo poemas desde bem novinha, mas só fui me levar um pouco a sério quando tinha ali pelos 20 anos. Mesmo assim, não posso me levar a sério demais. A dúvida me beneficia e acho que isso vale pra qualquer um que lide com textos. Sou autora de uma dezena de livros, mais ou menos, entre literários e outros. Mas sou também a mãe - estilo chata - do Eduardo. Sou professora numa escola pública federal - estilo permissiva. Sou doutora, pesquisadora de linguagens - estilo Capes. Sou mineira, bem mineira, dessas que comem pelas beiradas - mas comem. Sou belo-horizontina, bem belo-horizontina, com sotaque daqui e preguiça de viajar - mas viajo. Sou fã de Coca Cola e de sapatos de bico redondo. Eu gosto de ser essas coisas. E gosto muito de viver a vida, literalmente, entre textos. Sem isso seria bem mais chato. 

2 – Por onde sua poesia anda?
Minha poesia andou por muitos lados, mas há um vetor que não me passou batido de jeito nenhum: foi o Paulo Leminski e muito da poesia "marginal", ali dos anos 1970. O Leminski me deixou boquiaberta pra sempre, eu adoro até hoje, colecionei os livros, procurei em sebos, ganhei de presente, etc. Mas houve outros, tipo o Chacal, o Torquato e o Cacaso. Muita gente acha que eu devia mencionar a Ana Cristina César, mas não tem nada a ver. Fui pouco leitora dela. O lance é que veem mulher escrevendo e querem logo associar a outra. Como são poucas... forçam uma barra. Também era assim quando eu cantava rock. Logo queriam associar à Janis, que eu nem escutava e nem curtia. Bom, minha poesia curte muito a da portuguesa Adília Lopes, e nada a ver com a Adélia Prado. Continuamos poucas, e boas. 

3 – Quais as dificuldades de escrever poesia, literatura, hoje?
As de sempre. Dificuldade é o que mais tem, acho que em qualquer campo. A brincadeira é você sair saltitando por entre os obstáculos, le parkour de sobrevivência. Publicar é difícil, mas distribuir seu livro é mais ainda. Mas aí você quer porque quer ter um livro de sua autoria e resolve encarar o desafio, mesmo sem saber o tamanho dele. Ô desafio gostoso! Escrever poesia é difícil porque a gente escreve muito, muito verso, mas poucos deles saem mesmo poesia. Precisa selecionar, tentar, testar, persistir, insistir. Uma hora ela vem. Daí, você junta o pouco de bom que há no muito que escreveu e edita. Acha um maluco que queira bancar ou acha uma grana que possa pagar por isso. Vai lá. O livro tem um ciclo de vida. Não tenho dúvida. Ele precisa existir. Vai parar nas mãos de quem você nem imagina. Ele queima, que nem pavio. Um dia, esmorece a força dele. E você publica outro. A vida literária precisa ser sustentada. É meio jogar malabares, sabe? Mas é bom. Hoje há mais meios de publicar, mais pequenas editoras dispostas, mais modos de acessar as pessoas, conversar, influir, tentar. Assim também acho que há mais livros, mais gente conversando e publicando. Tá mais fácil do que já foi. Mas continua sendo um desafio.

4 – Pergunta indigesta: como é seu processo criativo?
Na poesia, é assim: eu fico escrevendo o tempo todo, todo, todo. Na minha cabeça, fica tudo se juntando, dançando, fazendo uma espécie de barulho. É o tempo todo mesmo. Ouvindo as pessoas, as ideias, o mundo, as palavras, me admirando com as palavras. Daí, um dia, eu me sento na frente do computador e abro uma página branca do Word. E começo a escrever. São tentativas, mas elas já chegam meio amarradas, redondas. Nem consigo mexer muito. Se estiver ruim, já apago. Começo outro. E assim vai. Mas eu já estava escrevendo havia dias ou meses. Como escrevo outros gêneros (crônica, conto, textos acadêmicos variados, etc.), eu sinto que os processos sejam bem diferentes. Mas todos me mobilizam muito. 

5 – Lendo seu livro, o Anzol de Pescar Infernos, existe todo um sarcasmo e ironia nos poemas. É proposital ou acidental ou os dois?
É totalmente eu. A ironia me vem quando as coisas vão mal. Eu sou aquela pessoa que fica irônica quando está com raiva, começa a ofender o interagente, saca? Horrível. Tenho tentado me controlar. Os poemas são irônicos porque querem encher o saco. E a ironia é um traço da minha poesia. Não é acidental. Mas eu sou nesse tom também. 

6 – Rilke fez a seguinte pergunta no seu livro Cartas a um jovem poeta: morreria, se lhe fosse vedada escrever?
Não sei se morreria. Talvez. Certamente, sentiria um tédio imenso e um sufocamento indescritível. Não sei como alguém consegue viver sem escrever. Não sei mesmo. Acho que deve ter um jeito de sentir a vida de um modo mais leve, mais superficial. 

7 – Existe diferença entre a poesia escrita por um homem e por uma mulher?
Acho que sim. Uma é escrita por uma moça; a outra, por um cara. Como são identidades muito diferentes, provavelmente eles terão verves, assuntos, estilos, bem próprios. Isso acontece de pessoa pra pessoa, poeta pra poeta, claro. Mas acho que há uma chance de uma mulher-poeta escrever sobre coisas que talvez um homem não pensasse ou sentisse. Eu acho que há poemas meus que só poderiam ser meus. O problema de ser mulher é que a gente sempre é meio impedida de fazer as coisas, então... fica excepcional quando a gente aparece fazendo. 

8 – O amor ajuda ou atrapalha na hora de escrever?
Os dois. Ajuda porque pode inspirar, pode aumentar a área de contato com a vida, pode abrir os poros. Atrapalha porque pode desconcentrar, deixar a gente meio alheia ou avoada. Mas serve pra tudo. O amor ajuda até quando ele acaba. Aí você escreve versos lindos de desilusão, desamor, sofrimento. Não necessariamente pelo amor, mas sentir as coisas é legal pra alimentar a poesia. 

9 – Você está sempre escrevendo ou tem mais o que fazer?
Tenho muito o que fazer, mas, ainda bem, consegui converter quase tudo o que preciso fazer em algum produto escrito. Medem minha produção ou meu trabalho pela escrita, o quanto eu escrevo e publico. Olha que coisa ótima! Não morrerei de fome, nem de Lattes minguado, enquanto for assim. Minha medida é escrever. Inclusive é meu ganha-pão, embora não seja exatamente a poesia. Eu vivo escrevendo. Mas dei sorte e fui atrás disso. 

10 – Para terminar, gostaria de dizer algo?
Os livros precisam existir. O voo deles ninguém sabe onde vai dar.

Share


Rafael F. Carvalho
Autor do livro A Estante Deslocada, é paulistano, nascido em 27 de Fevereiro de 1978. Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitários, e é formado em Letras pela Universidade de São Paulo.


todo dia 17


1 comentários:

Delícia de entrevista! Maravilhoso ponto de vista! Estou cada dia mais fã desta mineirinha!

Postar um comentário