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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

QUIOTO

 
 
  Passei o ano novo numa das cidades japonesas que mais me fascinam: Quioto (em Japonês, Kyōto). Não é uma novidade, pois meus sogros residem lá. Inclusive, em 2010, quando retornei do Brasil, morei quatro meses na belíssima (e mística) cidade.

  Mas, ao contrário do que muitos leitores podem pensar, quando vou a Quioto, não busco a paz espiritual dos templos. Não visito o famoso Kinkaku-ji (ou o “Templo do Pavilhão Dourado”), nem passeio no Palácio Imperial (o Kyōto Gosho), ou à beira do famoso Kamogawa (Rio dos Patos). E tampouco faço meditações com um monge ou oferendas aos pés de um buda. Nada disso. A paz em Quioto, encontro-a de outra forma: num Café de nome italiano chamado Veloce.

  Sim, leitor, pois é essa cafeteria que me traz as melhores lembranças dos tempos mais difíceis no Japão. Logo depois da graduação no Mestrado em 2005, casei e tinha que sustentar de alguma forma a nova família: e a maneira inicial, em virtude das dificuldades com a língua japonesa, foi lavando pratos, em um restaurante chamado Kilala. Imaginem o choque para o meu ego de advogado. Quis desistir, mas não podia. Senti-me deprimido. E, naquelas oito horas diárias, que eram para mim o próprio Inferno, refugiava-me no intervalo do almoço no único lugar em que eu podia ler, tomar um café e recuperar o orgulho interrompido: o Café Veloce. Para criar forças e, em seguida, retornar à escola... da vida.

  Isso mesmo, amigo leitor. Porque foi lavando pratos no restaurante Kilala que tive a maior lição de minha vida: a da humildade. De que não há trabalho melhor que o outro, desde que feito com honestidade e amor. E foi assim que aquele pequeno restaurante japonês me ensinou o que nenhuma Faculdade de Direito conseguiu.

  Por isso, no dia 31 de dezembro de 2013, resovi refazer, mais uma vez, o caminho Kilala-Veloce. Para minha tristeza, porém, descobri que o restaurante Kilala não mais existe nas imediações. Mas o Veloce continua lá, no mesmo local ― trazendo-me, além da paz espiritual, a lembrança de um valioso ensinamento.   

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Edweine Loureiro
Nasceu em Manaus em 20/09/1975. É advogado, professor de Literatura e Idiomas, e reside no Japão desde 2001. Em 2005, obteve o Mestrado em Política Internacional pela Universidade de Osaka (Japão). Premiado em diversos concursos literários, é autor dos livros: Sonhador Sim Senhor! (Ed. Litteris, 2000), Clandestinos [e outras crônicas] (Clube de Autores, 2011) e Em Curto Espaço (Ed. Multifoco, Selo 3x4, 2012). É membro-correspondente da Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências (RJ) e da Academia de Letras de Nordestina (BA).
todo dia 24


4 comentários:

Tocante Edweine. Ao ler senti-me passeando em Kioto, num país que tenho muita vontade de conhecer, e entrando num café italiano que é um povo que admiro muito também.
Mas o mais imprescindível, a lição de vida que aprendeste, me pareceu muito semelhante a que recebi em função das minhas origens humildes e que procuro manter, mesmo sendo hoje também advogada.
Parabéns pelo belo texto.
Abração.

Obrigado, Adriane. Importante licao, de fato, que levaremos para sempre. Obrigado pelo comentario, colega (de leis e de letras). Abracos poeticos do Japao.

Que bonita a sua história, meu amigo! Uma caminhada que deve deixá-lo muito orgulhoso, porque a humildade é tema de difícil aprendizado. Você é muito nobre!

Obrigado, amiga Cinthia: emocionado com suas palavras, amiga. Tem sido uma longa caminhada, e Deus tem me abencoado em encontrar pessoas maravilhosas como voce nesta estrada. Obrigado pelo carinho de sempre. Beijos poeticos.

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