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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Não tenha pressa


Para Phillipe

Sinto decepcioná-lo, mas não sou o mais sábio, tampouco o mais experiente. Gostaria de ter tanto mais para ensinar-lhe, mas, assim como todas as demais pessoas, sou limitado e imperfeito. E está tudo bem, pois isto é inevitável.
É inevitável que não saibamos, que tenhamos incertezas, que sejamos em vários momentos oprimidos pelas dúvidas e pelo medo.
Por isto, eu lhe digo: não tenha pressa.
Tudo se resolverá com o tempo, e, se não se resolver, é porque não tinha solução mesmo.
Se eu tivesse de lhe deixar um único legado, seria este conselho: não tenha pressa. Pois a vida é curta demais, frágil demais, insignificante demais. Hoje, está. Amanhã, não mais. Todos passamos e todos passarão, mas o tempo permanecerá seguindo adiante mesmo que não haja mais ninguém para computar os dias, meses e anos.
Não tenha pressa.
Viva cada instante e vivencie-os. É muito fácil ignorarmos as pequenas belezas cotidianas, enquanto miramos sonhos vindouros. O futuro está no futuro. Jamais chegará. É no presente onde nossas vidas se desenrolam. É no agora que nos encontramos e nos alegramos e sofremos. Por isto, não tenha pressa.
Sei que chegará a época na qual você será tomado por angústias do tamanho do mundo, quando seus objetivos parecerão inatingíveis e você chorará sozinho escondendo as lágrimas.
Alguns projetos realmente são irrealizáveis, mas não há como evitá-los e você só descobrirá isto na derrota. Não tema fracassar. São as perdas que concedem maior valor às vitórias. 
Não tenha pressa. Por mais que você caia, caia e caia, se você tiver paciência e determinação, fatalmente conseguirá se erguer e caminhar.
Hoje, você é tão pequenininho que até comer é um desafio. Este desafio será substituído por outros inúmeros, que sempre darão a impressão de serem muito maiores do que você. Não tenha pressa. Tente, erre, acerte. Aos poucos, você criará sua própria história e, ao olhar para trás, verá que tudo foi como teve de ser. Talvez até se arrependa de algo, mas terá de conviver com isto. Não se pode mudar o passado e, para muita gente, esta é a mais triste das verdades.
Não tenha pressa, pois a vida aparentará ser longa em vários momentos críticos. A chegada da idade adulta parecerá tardar demais. A tristeza parecerá interminável. O amor, que nunca virá. Que as dívidas são impagáveis. Todavia, você verá que tudo aos poucos entrará nos devidos lugares, que os medos eram ilusórios, que muito se resolve por conta própria, às vezes sem empreendermos esforço algum. Simplesmente ocorre.
Não tenha pressa e não desista. Muitos lhe dirão que não é possível, que você não foi feito para isto, que a vida não é assim. Você pode ouvi-los e se acomodar, passando o resto de seus dias remoendo migalhas. Ou você pode prestar atenção a mim e persistir, pois eu lhe digo que vale a pena e que o segredo está na persistência. Portanto, não tenha pressa.
Talvez, com o tempo, você consiga. Talvez não, mas está tudo bem também, pois assim é a vida.

Não tenha pressa, ou melhor, apresse-se.
Apresse-se para viver o hoje, para amar, para ser feliz, para beber todas as experiências e levá-las consigo na memória.
Apresse-se para descobrir quem você é, qual é a sua essência única, que o distingue dos demais, pois eu lhe asseguro, ninguém mais neste mundo é como você.
Apresse-se para ouvir, ver, ler, comer, conhecer pessoas, viajar, mergulhar de cara na vida e descobrir o que ela tem de melhor e de pior. Apresse-se para ter discernimento, possivelmente uma das qualidades mais essenciais.
Apresse-se para sorrir, pois a vida é fugaz como um relâmpago.
Apressar-se e não ter pressa não são oposições. Pertencem às nossas contradições humanas.
Deixo-lhe estes conselhos, mesmo sabendo que talvez você não os escute, mesmo que você venha a desconfiar que eu não esteja vivendo sob tais preceitos.
Então, um dia, você também terá um pequeno nos braços e desejará poupar-lhe de todos os sofrimentos e mágoas. Também se sentará e refletirá sobre uma porção de advertências, de admoestações, de ensinamentos. Também se sentirá impotente, como se estivesse tentando abraçar o ar.

Neste dia, você se recordará de mim.

Madri
06/09/2013

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8 comentários:

oi Henry, amei o q vc escreveu. E isto mesmo . Depois q nos tornamos pais ou mães, e como dar um salto sem saber onde cair... E quanto a não ter pressa e viver o presente e por ai mesmo. Eu fui sempre devagar e persistente.Agora fiquei velha, mais devagar, mas continuo persistindo." Afruta não cai longe do pe..." Parabéns!

É tanto carinho contido nessas palavras. É tanto medo de errar por excesso, por falta, quando a intenção é apenas deixá-lo caminhar a própria trilha e ser feliz. É tanta beleza guardada no peito de um pai que esperou nove meses para conhecer, do lado de fora, essa pequena grande vida. É tanta doçura, tanta, que me fez lembrar há quanto tempo eu não via, não lia um amor assim tão puro.
Calma, não se apresse você. Ele trouxe a sua própria sabedoria com ele. Cultive-a. E confie.
Beijos carinhosos para o príncipe Phillipe, para Denise e para você.

Que lindo, Henry! Um verdadeiro legado de esperança e bem-viver.

Parabéns ao Phillipe e a vocês.

PS: Atualize sua biografia. Tem mais gente no pedaço agora...rs.

Obrigado a todos pela leitura.

É verdade, Cinthia, esta é uma preocupação dos pais. Por enquanto, a única preocupação do Phillipe é comer.

Bem lembrado, Tatiana, vou lá fazer isto... :D

Abraços.

belo texto, Henry! a Cinthia já ali disse da sabedoria, e eu lhe digo: aprenda a lê-lo devagarinho, passo a passo, com os olhos do amor e do desvelo.
sem pressas, sim, Henry, ao ritmo dele crescendo
e nunca esmoreça se, por vezes, se sentir "impotente, como se estivesse tentando abraçar o ar".

beijos


Muito especial este texto.
Obrigada por dispor esta bela leitura.

Att,
Zara Reis

Quando nos nasce o primeiro filho sentimos pela primeira vez, alucinadamente, o avanço firme da roda das gerações. Sentimo-nos empurrados para a posição seguinte. E sentimos, vividamente, laivos de vulnerabilidade.

Ai, que esse texto me pegou, me abraçou, arrepiou e emocionou. Viajei no tempo e me vi mãe pela primeira vez com todo esse sentimento que na época não soube ou não pensei expressar. Imagino seu filho - belíssimo, diga-se de passagem - adulto, lendo esse legado, esse verdadeiro testamento de amor. Parabéns, Henry Bugalho, não só pelo grande texto, mas pelo lindo rebento!

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