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domingo, 28 de abril de 2013

Pasárgada será aqui



Aqui é o meu lugar. Aqui será a cidade que quero.

Quando eu cheguei por aqui eu logo entendi a geometria de teus eixos e asas, a simetria de teus planos e espaços! Vi em tudo a mais completa tradução de um sonho feliz de cidade. Ave, Brasília, cheia de graça, bendito o dia em que pousei numa de tuas asas! Fiz de tuas asas o meu eixo.

Bendito quem te sonhou; bendito quem disse sim ao sonho; benditos os dois gênios que deram traços geniais ao sonho; benditos todos os que te escreveram em concreto. E bendito o teu céu – a maior de tuas catedrais – que te coroa da aurora ao poente.

Brasília pousou num altiplano das terras goianas e nele aeroplana monumental. Brasília nasceu decidida a ficar de frente pro Brasil e de costas para o mar. Brasília conseguiu a façanha de pôr num quadradinho o Brasil inteiro – aqui tem “gente de toda cor, tem raça de toda fé”.

Brasília tem um quê de esfinge, mas é facilmente decifrável. Noutras cidades há esquinas, avenidas, bairros – isso que pronto dá orientação a uma cidade. Aqui temos tesourinhas, (super)quadras, blocos e outras coordenadas geométricas à primeira vista indecifráveis. Basta um breve convívio e a esfinge se mostra nítida e precisa na sua lógica cristalina, sem deixar de guardar em si mistérios outros. Uma cidade feita de sonho, eixo e asas nasceu destinada a voar sem tirar os pés do chão, proeza só possível no âmbito dos sonhos – totalmente possível para ela que nasceu de um sonho.

Então repito: aqui é o meu lugar. Aqui será a cidade que quero.

Na cidade que quero, teremos menos carros e mais bicicletas. Dói na minha pele e na pele do planeta tanto monóxido de carbono. Na cidade que quero, as bicicletas serão as estrelas das ruas e avenidas. E como andarei de bicicleta! E não será preciso preocupar-se com as ciladas do caminho (leia-se: com os carros pelo caminho); afinal, teremos redes de ciclovias serpenteando em todas as direções.

Na cidade que quero, teremos mais verde e menos concreto. Para fazer companhia aos belos palácios de Niemeyer, cultivaremos aqui as mais belas catedrais que arquiteto nenhum jamais conseguirá imitar. São elas a copaíba, o murici, o jequitibá, o buriti, o jatobá, o ipê, o jacarandá etc...

Na cidade que quero, teremos menos pressa. Se houver menos pressa, teremos, por certo, menos filas, menos trânsito, menos estresse...

Na cidade que quero, teremos mais solidariedade. A máxima que valerá é: “Eu preciso de todos e todos precisam de mim”. E como serão bem-vindas as palavras de um sábio solidário: “Não precisamos de muita coisa... Mas precisamos muito uns dos outros!”

Na cidade que quero, teremos mais livros e menos armas. Faremos do livro a mais poderosa das armas. Depois disso, armas para quê?

Na cidade que quero, teremos mais educação. Ensinar será a arte capital. Ensinar, diz a etimologia, é pôr nos homens uma insígnia, dar-lhes um sinal distintivo. E a educação será a mais nobre das insígnias. E comungaremos todos com o que diz Guimarães Rosa: “Mestre no quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”.

Para a cidade que quero, precisaremos de um batalhão de cidadãos. Então, avante cidadãos! É chegada a hora de, as armas e os barões assinalados, lançarmo-nos em perigos e guerras esforçados na tentativa de edificar um novo mundo. Afinal, depende de nós se este mundo ainda tem jeito, apesar do que temos feito.

Ave, Brasília, cheia de graça!

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4 comentários:

Bonito texto. E louvável projeto.
As cidades são o local onde vivemos. Como tal, devem ser agradáveis para viver, porque humanizadas.

Uma ode à nossa Brasília. Essa incompreendida senhora de cor cinza que deixa as outras cores, e os melhores tons, para os que quiserem mergulhar na sua alma e conhecê-la intimamente. Quanto amor!

Obrigado pelo comentário, Joaquim. E sobre transformar em Pasárgada o lugar onde se vive, me lembro desta frase: "Se você pode sonhar, você pode fazer" (Walt Disney).
Abs,
Tarlei

Querida Cinthia,
sim, tenho um caso de amor com Brasília. Gosto de dizer que essa cidade me deu eixo e asas.
Obrigado por sempre desfolhar palavras gentis na direção desse escrevente desarvorado que sou eu.
Abs,
Tarlei

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