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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O Telemarketing e o Cronista II


— Devagax, Kátia Demal Comavida, bom dia. Com quem eu falo?
— Bom dia meu nome é Zulmar Lopes e...
— Em que posso ajudá-lo, senhor Lopes?
— Bem, eu ontem fiz um pedido de visita técnica para verificação da nossa conexão e...
— Qual o número com DDD do telefone onde a conexão está ligada?
— (69)1234-5678...
— Um momento, por favor...
Cinco minutos depois...
— Mais um momento por favor...
Dois minutos depois...
— Senhor Lopes, aqui não consta nenhum pedido de visita do técnico ao endereço onde a linha está ligada.
— Mas como? Eu mesmo fiz o pedido ontem e...
— Em nossos registros constam que seu último pedido de visita técnica foi em 30 de fevereiro de 2010...
— 2010? Mas eu fiz o pedido ontem e...
— O senhor vai me deixar concluir?
— Mas é você que está me interrompendo a todo momento! Eu só quero que minha conexão funcione! Está tudo parado há quase 24 horas e...
— O senhor não precisa se exaltar. O senhor não está falando com nenhum dos seus subordinados.
— Que subordinados, minha filha?
— Meu nome é Kátia, senhor.
— “Minha filha” foi uma forma de tratamento gentil, por favor.
— Senhor Lopes, assim eu serei obrigada a encerrar o atendimento já que o senhor está sendo irônico...
— Mas como irônico? Eu só quero a nossa conexão funcionando.
— Se o senhor continuar com essas ironias, terei que encerrar o atendimento.
— Mas que ironia? Pelo amor de Deus!
— Sua respiração foi uma demonstração de deboche.
— E eu vou ter que parar de respirar agora? E esta pergunta não é em tom de deboche, ok? Vamos fazer uma coisa? Vamos recomeçar o nosso diálogo do zero?
— Se o senhor me deixar concluir...
— Então conclua, por favor.
— Como eu estava dizendo antes de ser bruscamente interrompida, sua última visita técnica agendada foi no dia 30 de fevereiro de 2010. Aqui em meus registros consta que ontem o senhor pediu o conserto de sua conexão de banda larga. Nossos técnicos estão verificando a viabilidade de conserto direto. Em caso de impossibilidade aí sim será agendada uma visita.
— Kátia, posso perguntar uma coisa? Não estou sendo irônico.
— Claro que pode, senhor Lopes.
— Fui informado que o meu caso deveria ser resolvido em oito horas. Já faz mais de um dia que eu estou sem internet. Como podemos resolver este problema?
— Recomendamos que o senhor aguarde. Farei um pedido de urgência para o seu protocolo aberto. Quer anotar o número?
— Claro que sim! E não estou sendo irônico, ok?
— o número é. 39485945008772298569020985874040339475767455587783948559-3. Anotou?
— Sim, sim. Mais uma coisa: vocês têm uma Ouvidoria?
— As reclamações só podem ser feitas através do nosso site.
— E como eu vou acionar o site se eu estou sem conexão?
— O senhor está sendo irônico de novo, terei que encerrar o atendimento.
— Não! Por favor! Peço desculpas, ok? Você aceita? Sem ironias.
— O senhor não tem necessidade de me pedir desculpas, senhor Lopes. Estou aqui apenas para atendê-lo da melhor maneira possível, mas isto não lhe dá o direito de ser rude comigo.
— Ok, Ok. Só para encerrar. Porque você não vai trocar o absorvente que seu mal é chico?
— O senhor está sendo grosseiro.
— Mas pelo menos não usei de ironia, não é verdade? Tenha uma boa tarde, do fundo do coração.
Cinco minutos depois, a conexão volta a funcionar.

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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
todo dia 21


2 comentários:

Eh, eh!
As grandes companhias geralmente tratam muito mal o cliente. Só lhes interessa gerar dividendos para os acionistas. Um dia perceberão que tratando bem o cliente obtêm o que pretendem. Esperemos que seja tarde de mais, eh, eh.

Retratou com perfeição o tormento que é depender de um atendimento via telefone. Realismo puro!

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