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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

saída de emergência







no ônibus há tanta gente em pé quanto sentada
estou sentado
entre a janela e uma senhora
de casaco de lã marrom
e detalhes dourados

vejo um carro parado
não choveu
mas suas rodas estão enfiadas numa poça d'água
até quase a metade

vejo uma fazendinha
com cavalos pastando num campo alagado
há um ou dois deles com a água tocando-lhes a pança

(escurece)

pessoas falam ao celular
outras falam entre si
crianças falam sozinhas
ninguém fala com o motorista

no corredor há uma luz azul
fantasmagórica

nas poltronas
luzes amarelas indicam em que números deve-se sentar

sobre a cabeça do motorista
um display mostra que já se passaram dezenove horas e onze minutos do dia de hoje

mas no ônibus respira-se o mesmo ar
e há vários de nós temendo que esteja contaminado pela doença da vez

no pára-brisa
luzes amarelas vêm
luzes vermelhas vão
luzes brancas e alaranjadas estão paradas
à distância
(mas se aproximam
em relação a nós)

alguém explica
a uma criança
o que fazer se o ônibus incendiar
riem
a criança ri
"tem que quebrar a janela, nenê"

"se queimarem a porta e as janelas
vai queimar todo mundo

mãe?"

"vai"
eu penso
e se não for dessa vez
será numa próxima

estamos atolados
estamos todos com água até os joelhos
alguns até a pança
outros já precisam erguer a cabeça para respirar
o ar é infecto
andamos todos juntos
com a água subindo
na iminência de o ônibus pegar fogo
andamos
falando ao telefone
ou uns com os outros
ou sozinhos
a água sobe
e um de nós
está acendendo uma luz acima de si para escrever idiotices
ouvindo gente espirrando e tossindo

(será que eles não veem?)

na escuridão do corredor
sobre oito das poltronas
painéis luzem em vermelho

"saída de emergência"





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