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quinta-feira, 10 de junho de 2010

O Sinal

O sol se punha pela milésima vez atrás das montanhas. Todos os dias, ao cair da tarde, Alcebíades saía à varanda à espera do sinal.
Ainda não sabia qual era seria este signo, mas aguardava-o religiosamente. O sinal que o libertaria, que finalmente o permitiria partir e conhecer o mundo.
Ao receber sua missão, o combinado era por apenas seis luas cheias. Mas a outra guarnição não chegara para dar-lhe baixa e os meses e anos se sucederam. Seu companheiro de campanha morreu logo nas primeiras semanas, vitimado por uma serpente peçonhenta. Sozinho, Alcebíades suportou o isolamento e a solidão.
Quando os mantimentos acabaram, ele caçou e plantou. Durante a seca, andava duas léguas para apanhar água no regato. Na grande nevasca do inverno passado, ele pensou que morreria congelado quando uma avalanche soterrou o casebre. Contudo, sobreviveu, aguardando apenas o dia do sinal.
Em criança, sonhava em viajar aos confins do mundo, descobrir terras longínquas e conhecer povos diferentes, assim como nas histórias que ouvira de mercadores e soldados. Foi assim que, desde cedo, ele tomou a resolução de se alistar, parecia a solução mais óbvia para seu anseio por aventuras. Equivocara-se, por isto agora apodrecia longe de tudo e de todos. Se retornasse à sua terra e aos seus, nenhuma história teria para contar, nenhuma novidade, nada que causasse inveja nos outros.
Portanto, uma vez que recebesse baixa, embarcaria num navio e desapareceria no mundo. Talvez finalmente fosse feliz.
Pela milésima vez, o sol se punha atrás das montanhas, vermelho e silencioso, lançando raios dourados e púrpura para as nuvens compridas acima. Mil pores-do-sol, todos diferentes, todos trazendo a mesma expectativa.
Mas a nuvem de poeira que se erguia no horizonte rompeu a monotonia do crepúsculo. O sinal! O dia da baixa!
Alcebíades acendeu a tocha na varanda e todas as luzes do casebre, pois somente assim se certificaria que a nova guarnição chegaria ao destino depois de o sol houver desaparecido e o mundo ter sido recoberto por trevas. Correu para arrumar suas trouxas e, toda a hora, saía para a varanda, mas não avistava os oportunos visitantes. Sentou-se na escada e acendeu um cigarro, fingindo tranquilidade.
Ouviu o trote dos cavalos e seu coração bateu com mais força. O dia havia chegado!
Todavia, assim que a tocha da varanda alumiou os cavaleiros, Alcebíades reconheceu a bandeira, os brasões e as armaduras inimigas. Deitou a mão sobre a empunhadura da espada, mas os cavaleiros retesaram seus arcos e ordenaram-lhe que largasse a arma.
Dois deles desmontaram e, lendo um pergaminho, anunciaram sua sentença de morte. Foi então que Alcebíades recebeu as primeiras notícias de sua terra, da guerra que a havia devastado e como o império rival anexava todos os territórios e bens de seu povo, que incluía aquele posto avançado de guarda.
Puseram-no de joelhos e ele pôde sentir o fio da espada em sua nuca.
Por mil crepúsculos Alcebíades esperou o sinal da libertação e ele enfim chegara, num golpe rápido e fatal do aço inimigo.

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