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sábado, 12 de junho de 2010

Noite de Festa


 Por Cirilo S. Lemos

Noite de festa no rancho de César Romero. Morrera com um balaço no peito seu grande inimigo Zé Diabo, que com seu bando de facínoras fizera mal às suas três filhas. O corpo do demônio está pendurado pelo pescoço num galho alto de amendoeira. Moscas patinham por sua barba, vapores apodrecidos sobem de seus poros, a língua roxa agora é preta. Há três dias encara com olhos defuntos a bebedeira e a dança em volta da fogueira onde se faz cinzas de seus treze asseclas. É noite de festa no rancho de César Romero, e a promessa é que vai longe. Faceiras, suas três filhas arrancam suspiros da caboclada, Das Dores, Das Almas e Esperança, balouçando as saias rodadas ao dedilhar das violas. Cospem no cadáver sujo toda vez que a dança as conduz até ali, efusivamente aplaudidas pelos peões de chapéu na mão. Estão felizes, seus males estão vingados. Tem comida, tem bebida, tem cantoria: é noite de festa no rancho de César Romero. Mas eis que o Inferno manda de volta Zé Diabo num sopro de enxofre. O morto salta da corda, salpicado pela prata da lua e pelo vermelho do fogo. Move-se rápido que nem parece defunto. Agarra a peixeira de um desprevenido e começa a lavar com sangue o terreiro da festa. Passa a fio de faca os seresteiros, sangra feito porco seu inimigo jurado, mata de terror o padre de coração fraco. Mata a música, mata a dança, mata a festa e as pessoas, os homens e as crianças, as velhas beatas e as moças de carne nova. Mata, mata e mata. Das três filhas de César Romero, Esperança é a última que morre.

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3 comentários:

Caramba! Surreal e fantástico! Lembrei-me um pouco de Casa dos Espíritos de Isabel Allende, lembrei de Gabriel Garcia Marques, lembrei de Allan Poe... Muito bom memso! Abraços. Paz e bem.

Nossa! Figurar numa frase ao lado dos nomes que você citou é um tremendo elogio, principalmente considerando a distância que estou deles. Muito obrigado, Cacá. Abraço e Paz pra ti também.

Final melhor impossível. Mandou muito bem, cara!

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