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sábado, 19 de dezembro de 2009

A vampiro dado não se olham os dentes





 


 

Uma resenha de

Kaori: Perfume de Vampira

GIULIA MOON

São Paulo: Giz Editorial, 2009

http://www.gizeditorial.com.br


 

Por


 

Volmar Camargo Junior


 


 


 

Dia desses, participei de um sorteio na comunidade do Orkut Escritores de Fantasia, um de vários que acontecem por lá, em que um autor que publica, e queira fazer um marketing do seu livro publicado, sorteia um ou mais de um exemplar da obra entre os membros do grupo. Eu até nem gostava , e ficava fazendo pirraça dos sorteios... mas, pra calar a minha boca, Papai do Céu, o Capeta, ou o Conde Drácula (através da Ana Cristina Rodrigues, escritora, colaboradora da SAMIZDAT e moderadora da referida comunidade, que me deu um baita xingão) me intuiu a parar de fazer birra com quem quer se divulgar, e entrar logo na brincadeira. Entrei, e, pra ficar ainda mais arrependido de ser um idiota escroto, fui contemplado. O prêmio: um exemplar autografado do romance Kaori – perfume de vampira, da escritora paulistana Giulia Moon.


 

Só tinha um porém: eu não gosto de vampiros. Desde os idos tempos da adolescência, em que atravessava as madrugadas jogando RPG – mais mestrando que jogando – alimentava uma antipatia por essas criaturas vis, mesquinhas, ardilosas, dissimuladas e traiçoeiras. Apreciava mais dilacerá-los com as garras dos lobisomens que eu "encenava". Isso, é claro, quando não preferia sagas medievais, ambientadas em terras distantes, onde a paisagem fosse dominada por dragões, magos, cavaleiros de armadura e guerreiras usando roupas feitas de tiras de couro presas por rebites. Uhhh!


 

Mas, então, vieram Giulia Moon e sua Kaori.


 

"Vampiros orientais... hum...", eu pensei. Tratava-se da história de uma vampira oriental, e isso já me deixou um tanto mais receptivo: nos tempos em que era RPGista de segunda a segunda, também era otaku (tá... nem tanto...), e achava bacana a idéia que os nipônicos tinham dos vampiros e criaturas sobrenaturais em geral. Em especial, o mangá Vampire Princess Miyu, ou, no original, Kyuuketsuki Miyu. E minha suspeita não era em vão. Em alguns pontos, Kaori e Miyu são bastante semelhantes. A propósito, a expressão "kyuketsuki" é uma das mais repetidas ao longo do romance. Contudo, ter pontos em comum com Miyu, foi bastante positivo: antes mesmo de eu começar a ler, para mim, a protagonista já tinha um rosto. O problema foi se livrar das imagens que me vinham à cabeça durante a leitura: em vez de moldar um filminho mental, criei um anime.


 

Kaori: perfume de vampira é um romance narrado, paralela e alternadamente, em duas épocas e lugares distintos: Japão, durante o Período Tokugawa, de meados do século XVII até meados do século XIX; São Paulo, durante alguns dias do ano de 2008. Mesmo sendo os protagonistas diferentes em momentos distintos da história, a figura central da trama é, como o título já deixa bem claro, Kaori.


 

Na porção "oriental" do romance, temos a narração de duzentos anos, alguns passados ao largo, outros, especialmente os últimos, observados mais detidamente. Por isso mesmo, tudo é mais lento, mais delicado, mais sutil, ao mesmo tempo em que é mais assustador, mais sangrento, mais bizarro, mais... exótico. Conta-se um pouco de Kaori ainda "viva" e depois, em sua existência como uma desmorta (um outro termo recorrente no romance, que achei bem colocado), seus percalços para se acostumar à não-vida, as primeiras necessidades e as situações conflituosas de estar-se tornando, paulatinamente, em uma kyuketsuki: uma vampira.


 

Na metade "ocidental", uma narrativa muito peculiar, ágil e "geográfica" a partir da visão de um observador de vampiros, ou, melhor dizendo, de um vampwatcher chamado Samuel Jouza (não, não é Souza, não! É Jouza... descendente de um povo do leste europeu...)
atuando pelas ruas da capital paulista. E quando eu digo "pelas ruas", estou sendo preciso: só não acompanhei a narrativa no Google Maps porque não quis (assim espero...). A autora situou sua ficção calcada no espaço urbano – e suburbano - contemporâneo de São Paulo. E, como se pode esperar, em um cenário que anda a mil, a narrativa anda a mil: carros, motos, socos, pontapés, pistolas, tocaias, correrias e perseguições de cães-homens (gostei deles!), tramas envolvendo até alguns níveis da administração federal (hehehe... eu adorei a burocracia do Instituto Brasileiro de Estudo de Fenômenos Fantásticos... ri muito comparando o IBEFF à empresa pública em que trabalho...).


 

Para o meu paladar ficcional, a porção oriental do livro é muito mais atraente. Nela, temos um mundo à parte. Para mim, mesmo o país dos xóguns histórico é tão alienígena (no melhor sentido) quanto a Terra Média. O Japão, ou a parte dele que conhecemos em Kaori é, de fato, um mundo fantástico, onde as criaturas do folclore japonês ganham vida, papéis, falas, e peso dramático. Mesmo que haja uma tendência para o terror, com uma dose bem... vermelha do melhor fetichismo sexual oriental, referido na obra como A Velha Arte, para mim foi como ler uma boa novela de Fantasia.


 

Jogar-se em um ambiente fantástico, conviver com criaturas fantásticas, em que as regras do mundo são permeadas por leis extra-físicas é o papel do Maravilhoso na ficção, e disso, tanto a Fantasia quanto o Terror compartilham. Talvez por isso, por essa criação/recriação do universo e das leis que o regem, a autora tenha – a meu ver – acertado mais a mão na Montanha dos Tengus do que na Avenida Paulista. Acho notável a diferença da narrativa de uma e da outra das "porções" da trama. Enquanto em São Paulo os personagens ganharam da autora falas "típicas", buscando um coloquialismo, talvez, um pouco forçado, na porção nipônica, mesmo a fala dos personagens mais comuns e secundários ganha ares de "contos de fada", ou, melhor ainda, da narração de uma lenda, ou de uma história muito antiga, em um país muito, muito distante. E, é claro, com uma finesse erótica, e umas relações de amor-e-ódio entre protagonistas e antagonistas que, sinceramente, me surpreenderam.


 

Além disso, é nesse ambiente que a autora desenvolve melhor seus personagens. Tanto que é nele que conhecemos (e depois, reencontramos), um dos guerreiros mais interessantes que já conheci: Wakabara Kodo. Não sei por que, não consegui captar essas relações, esse "tom místico", esse interesse por desvendar mais intimamente os personagens na parte contemporânea da história. Provavelmente, porque essa fosse a intenção da autora.


 

No fim das contas, levei mais tempo do que queria levar para ler o romance. E isso é bom. Às vezes, eu lia apenas um capítulo, e refletia por um ou dois dias. É, garantidamente, uma boa diversão para quem aprecia o gênero. Há algumas coisas, como eu mencionei antes, que não apreciei; outras, em que reconheci na Giulia (ou Sueli) uma tendência para a narrativa psicológica, coisa que não é fácil de fazer, e bem fácil de se perder. E, nessa questão, ela foi bem feliz. Eu, como não sou desonesto com ninguém, devo admitir: essa obra não me deixou mais simpático aos vampiros do que eu era antes de tê-la lido. Maaaaas... conseguiu me deixar muito (e por muito, entenda-se muito mesmo) interessado, e talvez um pouquinho seduzido, por kyuketsukis. Por uma, em especial.


 

Ai, aquela tatuagem de dragão...


 


 


 


 


 


 

____________________

E, em breve, na Revista SAMIZDAT, a entrevista com a autora de Kaori: Giulia Moon.

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3 comentários:

Já eu, sou muito receptiva a vampiros (o Eric do True Blood que o diga), porém muito mais preconceituosa com romances vampirescos do que qualquer receptividade. Tua resenha me deixou mais do que intrigada: curiosa! Especialmente pelo tanto de folclore nihonjin que o livro parece conter. Tá aí: gostei! Se "A vampiro dado não se olham os dentes", não queres me enviar o livro, agora que já o leste? risos

hehehehehe
Essa resenha vai me render uma fila de espera.
A Gi vai gostar de saber disso.

Gostei, sim!
Mas o que eu espero mesmo é que Ju e todos os demais curtam Kaori... Tomara!
Boas festas pra você e seus leitores, V.!

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