Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO DÁGUA




Confesso nunca ter dado muito crédito à obra de Jorge Amado. Não por qualquer motivo mais relevante, mas, simplesmente, por puro preconceito de alguém que não conseguia enxergar nenhum ponto atrativo em títulos como “Tieta do Agreste” ou “Gabriela, Cravo e Canela”.

E o que maturidade não faz conosco? Hoje, com meus quase 30 anos de idade (nem tão maduro assim), resolvi superar meu antigo preconceito juvenil da maneira mais óbvia possível: lendo o que Jorge Amado escreveu.

Eis que me surge “A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua”, escrito em 1959. E, já no prefácio, encontro palavras intimistas de Vinícius de Moraes, dizendo que a novela em questão trata-se da melhor na literatura brasileira. Opiniões à parte, o que se deve levar em conta é a franqueza até mesmo comprometedora da afirmação, que deixa para trás obras de outros grandes novelistas. Mas, sendo Vinícius de Moraes um dos mais respeitados nomes da cultura artística de nosso país, há que se dar mínimo crédito ao que escreveu e, sem dúvida, chega-se à conclusão de que a novela de Jorge Amado é, ao menos, digna de ser lida.

Tendo um ou outro deslize na técnica (quase imperceptíveis), a escrita de Amado se mostra aconchegante, acalentadora, transparecendo algo que remete a certa inocência de tempos idos do Brasil. Ao leitor, fica a agradável experiência de ler uma história que flui sem rebuscamentos, com diálogos divertidos e personagens de uma conquistadora malandragem inocente.

O enredo trata das circunstâncias envolvidas na morte de Joaquim Soares da Cunha, também chamado Quincas Berro Dágua. Através de dois blocos de personagens principais, são confrontadas distintas versões para a morte do defunto-protagonista. Há o grupo da família sanguínea, o qual insiste na morte tranquila e formal de Joaquim Soares. Enquanto que o grupo da “família mundana”, representado por tipos caricatos dos subúrbios baianos, defende a tese de que Quincas morreu entregue às águas do mar, num cenário de lua e mistério.

Com pitadas de humor irônico – lembrando Tolstoi em seu “A Morte de Ivan Ilitch” – e representando uma deliciosa alma baiana que talvez nem mais exista – remetendo a “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo –, Jorge Amado, sem dúvida, criou uma obra magnífica que, como poucas, une prazer na leitura com qualidade literária.

Assim como na morte de Quincas, há quem concorde ou discorde da opinião de Vinicius de Moraes. A mim, a certeza que fica é que Jorge Amado foi um dos grandes escritores da literatura brasileira. E, se ainda ficar dúvidas no leitor sobre “A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua”, cabe uma última reflexão sobre a frase derradeira de Quincas, segundo Quitéria que estava ao seu lado: “Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há”.

Share




1 comentários:

Ótimo texto! Lembro-me que, malgrado seja ainda mais jovem (e assim, mais inexperiente), também dividia essa sensação preconceituosa quanto à obra de Amado.

Em suma, um autor que teria gerado várias novelas caricatas da rede por aqui dita "global", não poderia, em meu parco imaginário de então, ser sério.

Todavia, num passeio na Livraria Cultura do Recife, resolvi arriscar e ler a tal "Gabriela, cravo e canela". Mesmo considerando toda a atmosfera quase indianista trazida com a personagem principal, gostei de ler, de ter lido.

Daí em Santos, durante as férias, deparei-me numa estante de livraria com o "A morte e a Morte de Quincas Berro Dágua", numa edição comemorativa da Cia das Letras. Comprei. Li. Adorei todo o cenário cômico e irônico, toda aquela simples e leve, mas evidente crítica social.

Seguiu-se "Tereza Batista cansada de guerra", "Farda, fardão, camisola de dormir", enfim!, por mais que haja amigos escritores que ainda digam que a literatura de Amado seria um tanto prosaica ou provinciana, que digam, no mundo a gente diz o que quer, quanto à mim, continuarei lendo Amado!

Postar um comentário