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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

68, o ano que nem começou (Big Bang - Capítulo 2)

Em Nova York, um formigueiro humano fervilha por dezenas de quarteirões da estação de metrô Queensboro Place até as margens do rio East River. As águas são escuras, o ar é pesado, malcheiroso e quente. Os galpões industriais foram transformados em acampamento. Milhares de pessoas afunilam-se na ponte Queensboro, ocupando-a completamente. Outra multidão, bem menor, bloqueia o acesso à ilha de Manhattan. Todos os túneis e demais pontes foram igualmente bloqueados, tanto os da Grande Ilha quanto os do continente. O cerco à Manhattan já dura meses.



Aproximo-me até discernir construções, veículos e rostos. As pessoas compartilham grandes cilindros azuis de oxigênio, revezando as mascaras constantemente. Encostada no alambrado amarelo da ponte, embaixo das grandes armações de aço, reconheço a face de uma mulher idosa com uma familiar meia lua no centro da testa. Quantas décadas sem reencontrá-la? Helenice, no meio da ponte W, olha para a esquerda, entre as duas velhas chaminés da Marupi e um painel holográfico na margem do rio onde a defasada frase “Happy 2068 New Year” tremula falhando. Seus olhos vão além do extremo sul da ilha Roosevelt Island sob a ponte. Desejam o mesmo alvo de todos ao seu redor: a sede da ONU.

Muitos carregam faixas e cartazes, mas Helenice, tal qual alguns, carrega um disco preto nas mãos. O que eles querem é apenas consumar um ato simbólico, já efetuado em quase todas as partes do mundo: depositar um disco holográfico em cada assento que tenha sido ocupado por um poderoso.

Por todos os lugares do mundo, de um lado, sessenta famílias controlando toda a riqueza do planeta enquanto seus aparatos de poder reagem violentamente ao que chamam de desordem das massas. Do outro, milhões de pessoas invadem no mesmo instante os gabinetes corporativos e governamentais. São os braços de três bilhões de sobreviventes que se organizam mundialmente através da Grande Rede e deliberam regras para regular a desordem esgotadora de pessoas e natureza que perdurou por mais de cinco séculos.



http://bigbangmicrocosmico.blogspot.com/

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