Maristela Scheuer Deves
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, matou uma mosca. E daí? Daí que a imagem desse gesto tão simples e corriqueiro (quem nunca matou, ou ao menos nunca tentou matar, um desses insetos tão inoportunos?) correu o mundo, virou notícia. Notícia lida, comentada e obrigatória em todas as TVs, sites, jornais, rodas de conversa com os amigos...
Pois é. Nada contra falar da mosca do Obama, eu também falei, e aqui estou escrevendo sobre ela. Confesso que achei engraçadinho até, quando vi a "notícia" sobre isso na TV, ao meio-dia desta quarta-feira. Jornalista que sou, pensei logo que o tema realmente rendia uma materinha ou nota curiosa - afinal, Obama é nada mais, nada menos do que o homem mais poderoso do planeta, e demonstrou uma pontaria certeira ao liquidar com o inseto.
No entanto, o que me assusta é pensar que esse gesto comum e natural, do qual o presidente talvez já tenha até esquecido passadas algumas horas, possa vir a ser outro campeão de acessos na sites de vídeos na internet. Não se trata, repito, de condenar essa curiosidade simples que nos faz querer ver cenas engraçadas ou inusitadas de vez em quando. O que eu estranho é por que essa mesma curiosidade não se repete, na maioria dos casos, quando o que está em pauta são assuntos ditos mais "sérios". Ou alguém aqui acredita que o pacote que o mesmo Obama anunciou nesta mesma quarta-feira, o maior dos EUA desde os anos 1930, terá o mesmo índice de leitura que a mosca?
Da mesma forma, outros assuntos que nós - e por "nós" quero dizer os jornalistas, mas também os intelectuais ou membros de uma camada supostamente detentora de maior conhecimento e cultura - julgamos imprescindíveis muitas vezes são solenemente ignorados pelo público leitor ou telespectador. Que prefere saber quem o ator tal está namorando, quando começam as inscrições para o próximo BBB, quem fez mais gols na rodada de futebol da semana ou simplesmente quem foi que morreu (sim, os obituários continuam figurando entre as seções mais lidas dos jornais, batendo muitas vezes manchetes de economia e política). Ou que Obama, aquele cara do qual se falou tanto quando se elegeu presidente ano passado e que cada pouco está lá no jornal, matou uma mosca.
Isso se repete também na internet, basta ver o que tem mais leitura em sites e blogs. Um exemplo apenas: textos nos quais apareçam, mesmo que incidentalmente, palavras ligadas ao sexo costumam ter índice de leitura várias vezes maior do que outros, mesmo que não sejam tão bem escritos.
O que concluir disso tudo? Que o "povo", esse ente ao qual pertencemos mas do qual muitas vezes nos excluímos, está errado? Que só se deve falar de coisas mais sisudas? Ou talvez que devemos deslanchar de vez para o circo pedido pela maioria? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Creio que devemos ter, sim, as duas coisas, o"importante" e o inusitado. Devemos publicar, e ler, uma e outra. Afinal, gostos não se discutem, e a vida é feita tanto de momentos sérios quanto de momentos de riso (que graça teria sem eles?).
O que não deveria ocorrer, apenas, é usar as milhões de opções de coisas "interessantes" que existem por aí como desculpa para não ler ou ver outras coisas que talvez não sejam tão engraçadas ou curiosas ou excitantes, mas que influenciam no nosso dia a dia (como a política ou a economia).
Se você leu este texto até aqui, independente de como chegou até ele, sugiro apenas que reflita sobre esse assunto. Não deixe de ver o vídeo do Obama matando a mosca, eu também vi e gostei, mas tire um tempinho para ler também sobre a crise mundial ou sobre a situação política da sua cidade. Você vai descobrir que isso pode ser igualmente muito interessante.
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