Caio Rudá de Oliveira
É quando a cidade dorme que consigo pensar. Quando acordada, é o capitão-do-mato que nos mantém na linha conforme a vontade do senhor; não tolera atraso, desculpas ou ineficiência, e está atenta, regendo uma vida compulsória.
Nasce o dia e acordamos, não porque o sono já nos bastou, mas pelas obrigações diárias. Desempenhamos nossas funções e esquecemos de todo o resto. Eis o viver. Para nos tirar da rotina, nada como uma insônia inesperada. Levanto, vou à janela, tomo emprestado um pouco de ar, agora menos carregado de poluição, e sento em frente à TV - monótona programação aberta. Vou à cozinha, bebo um suco e volto a deitar. Já não sei se é insônia ou calor. Dessa vez um leite quente com chocolate, enquanto olho uns blogues sem sal. Por fim, outra passada na janela. A avenida lá na frente, vazia. Não é a mesma das horas de sol. Um carro ou outro percorre o asfalto cansado, insone como eu. Tento advinhar para onde vai uma hora dessas. Talvez já esteja retornando. De todo modo, ambas as alternativas não me dizem respeito.
Olho a passarela em que fui assaltado há alguns dias. Agora parece ser um lugar seguro. Mas só parece. Escondido em algum lugar que eu, nem a possível vítima, possamos ver deve estar o bandido, como o que levou meu celular. Ofício de assaltante - hora extra ociosa. E bandido lá sabe o que é ócio?
Os pontos de ônibus estão desertos, diferentes dos formigueiros que são durante o dia. Não é o caso dos que vejo, mas algum em outro canto da cidade pode servir de abrigo para um mendigo. Abrigo contra o quê? Nem contra os perigos da madrugada, nem contra o frio. Talvez contra a chuva, porém não chove hoje.
Os prédios vizinhos dormem. Sequer uma janela acesa, o que me faz pensar que sou o único acordado da cidade. Isso é falso. Há os motoristas que passam maltratando o asfalto, o assaltante à espreita não se sabe onde e o mendigo que dorme por aí. E há também meu companheiro de apartamento que se levantou agora. Foram os meus pensamentos? Ele passa, mudo com se ainda dormisse, e vai à cozinha, caminho certo. Também não puxo papo. Esse sou eu, também calado, não dado a conversas desnecessárias. É por isso que respeito o silêncio alheio. Sei o quanto é importante. E aí me dou conta de que pode ter sido a TV dele ligada que tenha colaborado com minha insônia. A princípio sinto raiva, que se esvai. Não fosse ele, ainda que involuntariamente, eu não estaria aqui, pensando, vendo a cidade adormecida. Os capitães-do-mato também dormem. E enquanto o fazem eu sou livre. Livre para ver, sentir, pensar, perceber cada detalhe de uma paisagem tão costumeira porém surpreendente.
O sol se aproxima. Eu posso vê-lo, não em seus primeiros raios, mas nas luzes que começam a iluminar cômodos nos prédios ao lado, na fumaça da padaria que começa a subir, no caminhão de lixo e seu barulho característico que vão ao longe. É quando ouço os capitães vestirem suas roupas e empunharem suas armas. Daqui a pouco eles estarão atentos, colocando-nos nos eixos. Tudo bem. Hoje eu tive minha pequena alforria.
Nasce o dia e acordamos, não porque o sono já nos bastou, mas pelas obrigações diárias. Desempenhamos nossas funções e esquecemos de todo o resto. Eis o viver. Para nos tirar da rotina, nada como uma insônia inesperada. Levanto, vou à janela, tomo emprestado um pouco de ar, agora menos carregado de poluição, e sento em frente à TV - monótona programação aberta. Vou à cozinha, bebo um suco e volto a deitar. Já não sei se é insônia ou calor. Dessa vez um leite quente com chocolate, enquanto olho uns blogues sem sal. Por fim, outra passada na janela. A avenida lá na frente, vazia. Não é a mesma das horas de sol. Um carro ou outro percorre o asfalto cansado, insone como eu. Tento advinhar para onde vai uma hora dessas. Talvez já esteja retornando. De todo modo, ambas as alternativas não me dizem respeito.
Olho a passarela em que fui assaltado há alguns dias. Agora parece ser um lugar seguro. Mas só parece. Escondido em algum lugar que eu, nem a possível vítima, possamos ver deve estar o bandido, como o que levou meu celular. Ofício de assaltante - hora extra ociosa. E bandido lá sabe o que é ócio?
Os pontos de ônibus estão desertos, diferentes dos formigueiros que são durante o dia. Não é o caso dos que vejo, mas algum em outro canto da cidade pode servir de abrigo para um mendigo. Abrigo contra o quê? Nem contra os perigos da madrugada, nem contra o frio. Talvez contra a chuva, porém não chove hoje.
Os prédios vizinhos dormem. Sequer uma janela acesa, o que me faz pensar que sou o único acordado da cidade. Isso é falso. Há os motoristas que passam maltratando o asfalto, o assaltante à espreita não se sabe onde e o mendigo que dorme por aí. E há também meu companheiro de apartamento que se levantou agora. Foram os meus pensamentos? Ele passa, mudo com se ainda dormisse, e vai à cozinha, caminho certo. Também não puxo papo. Esse sou eu, também calado, não dado a conversas desnecessárias. É por isso que respeito o silêncio alheio. Sei o quanto é importante. E aí me dou conta de que pode ter sido a TV dele ligada que tenha colaborado com minha insônia. A princípio sinto raiva, que se esvai. Não fosse ele, ainda que involuntariamente, eu não estaria aqui, pensando, vendo a cidade adormecida. Os capitães-do-mato também dormem. E enquanto o fazem eu sou livre. Livre para ver, sentir, pensar, perceber cada detalhe de uma paisagem tão costumeira porém surpreendente.
O sol se aproxima. Eu posso vê-lo, não em seus primeiros raios, mas nas luzes que começam a iluminar cômodos nos prédios ao lado, na fumaça da padaria que começa a subir, no caminhão de lixo e seu barulho característico que vão ao longe. É quando ouço os capitães vestirem suas roupas e empunharem suas armas. Daqui a pouco eles estarão atentos, colocando-nos nos eixos. Tudo bem. Hoje eu tive minha pequena alforria.
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