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sexta-feira, 22 de maio de 2009

Como substituir amores

Barbara Duffles


Logo no primeiro dia em que chegou, Lolinha conquistou o coração de Aquiles. Loura, seios fartos, boca convidativa, cintura fina. E não tinha somente estes atributos de mulher fútil. Aquiles via nela duas das qualidades que mais admirava nas fêmeas: não tagarelava e sabia ouvir o companheiro. Como todo relacionamento, o início foi de muita paixão. Noites e noites rolando na cama com Lolinha, Aquiles não queria saber de mais nada. Chegou a fingir uma gripe para faltar ao trabalho e garantir alguns dias de luxúria com sua loura. Seu programa preferido era tomar banho de banheira com ela: adorava como o corpo de Lolinha ficava escorregadio na água, um convite para momentos inigualáveis a dois.

Também como todo relacionamento que dá certo, da paixão voluptuosa veio o amor incondicional. Aquiles e Lolinha continuavam enroscados dia e noite, mas agora os encontros tinham pitadas de romantismo rasgado. Aquiles levava flores, preparava jantares a dois em seu pequeno apartamento. Cada vez mais apaixonado, ele se declarava de forma emocionada, fitando os olhos sempre abertos dela, desejando ainda mais a boca convidativa da moça.

Como alguns relacionamentos que dão certo e depois se perdem, o amor foi corrompido por uma dose exagerada de ciúme. Tão grande era o sentimento de Aquiles por Lolinha, que ele se transformou num obsessivo de marca maior. Com medo de perder sua mulher para os amigos, Aquiles nunca a apresentou a ninguém. Os dois passavam a maior parte do tempo juntos e sozinhos, sem interferências externas. Os amigos cochichavam a respeito dele às escondidas. Ninguém acreditava que Aquiles tinha mesmo a tal mulher incrível da qual ele tanto se gabava. Afinal, nenhum deles havia visto Lolinha. Chegaram a fazer um bolão no escritório, onde as más línguas apostavam que “ela”, na verdade, era “ele”.

Aquiles não se importava com o que diziam, pensava só em Lolinha, em ficar com ela, em aproveitar seu silêncio em paz. Sim, silêncio, pois, como já foi dito, ela não tagarelava e estava sempre atenta ao que dizia o namorado. Mas a verdade é que Lolinha não falava. Nada, nadinha. Um júbilo para os ouvidos de Aquiles, falador profissional que sempre se irritou com mulheres verborrágicas.

Só que, como a maior parte dos relacionamentos, a rotina chegou, abriu a porta e sentou no sofá. Após tanto tempo isolados do mundo, Aquiles e Lolinha não tinham mais o que conversar. Ou melhor, ele é que não tinha o que dizer, já que ela não emitia sons mesmo. Aquele silêncio todo de repente virou um suplício. Aquiles começou a desejar que ela falasse. A boca outrora convidativa de Lolinha se transformou num buraco negro desinteressante. Num dia de angústia incontrolável, empurrou a mulher contra a quina da parede. E então foi o fim.

Num estouro que se ouviu até nos andares de baixo, Lolinha desapareceu. Esparramados no chão, pedaços de plástico que um dia formaram o corpo da boneca inflável de Aquiles. Desesperado, ele agarrou-se aos restos mortais de sua amada, jurando nunca mais comprar outra.

Uma semana depois, o correio entregou um pacote no apartamento de Aquiles. Era Silvinha, uma morena de arrasar quarteirão.

*Texto publicado originalmente no livro "Não Abra" e no blog "Não clique"

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