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sábado, 23 de maio de 2009

A Peruca – Giselle Sato

Roberto Carlos dos Santos Pinto. Por razões óbvias mantinha apenas o primeiro nome no crachá onde exibia com orgulho a função de ''Gerente''. Trabalhava em uma loja de departamentos, no maior Shopping da Zona Norte carioca. Vinte e dois anos de serviço. Nenhuma falta ou atraso. Promoções, prêmios e metas vencidas no “Curriculum” invejável. Baixinho e atarracado adorava ser chamado de Robertão. Bigode bem aparado, uniforme ligeiramente apertado e a hipótese não confirmada do uso contínuo de peruca.

Havia bolsas de apostas e um “Bolão” para quem conseguisse provar a existência da falsa cabeleira. Infelizmente o desafio parecia impossível. As demonstradoras de produtos capilares viviam oferecendo tratamentos gratuitos, mas nunca puderam tocar em um fio de cabelo do gerente. Apesar de solteiro nunca aceitava os convites dos colegas para um chopinho no final do expediente. A rotina casa/trabalho/casa era mantida sem exceções. Era um solitário. Filho único cuidava da mãe doente e um tanto senil.

Até à chegada de Juliana tudo parecia cinza desbotado. A morena exibiu o maravilhoso gingado no uniforme rosa e o mundo de Robertão vibrou em cores. Jú trabalhava para a “Lingerie Du Corpo”, arrumava a seção, ajudava as freguesas e exibia os dentes branquíssimos no sorriso simpático. O corpo perfeito para qualquer roupa íntima. A mulata de olhos cor de mel e boca carnuda enfeitiçou o gerente:

-Bom dia, bem-vinda à loja; sou Roberto, muito prazer.
Estendeu a mão e apertou os dedinhos da moça, deliciado com o perfume, a pele, a voz e o jeitinho suave de Jú:

- Vou trabalhar aqui este mês, muito prazer senhor Roberto.

- Mas que pena...

-Como? Fiz alguma coisa errada para o senhor não gostar de mim?

-Imagine, pena que ficará só um mês. Tão simpática e agradável. Se precisar de alguma coisa sou o gerente. E pode me chamar de Roberto. Nada de senhor!

- Ah, que bobagem a minha. Muito obrigada. Já vou indo, preciso organizar os lançamentos.

Durante todo o dia, Roberto deu um jeito de passar perto da secão feminina só para olhar Juliana. Não conseguiu disfarçar o interesse e a loja inteira percebeu e passou a comentar. Principalmente as funcionárias antigas, furiosas com a novata:

- Ridículo, deve ter idade para ser filha dele.

- Não precisa exagerar, só acho que ele não se enxerga.

- Está com inveja Maria? Ciúme?

- Eu? Ciúme do Robertão? Está doida Lú? Olha a cara de bobo apaixonado.

- Ele vivia de olho em você e agora só pensa em Jú. Homem é tudo igual! Safado!

Finalmente chegou sexta-feira... Após o fechamento da loja, o tradicional chopinho. Pela primeira vez o gerente apareceu no barzinho. Esbanjou simpatia conversando animadamente com todos, pagando rodadas e sendo sempre muito solícito com Juliana. Ora pegava uma bebida, oferecia um petisco, um guardanapo, sempre atento e dedicado. Jú parecia deliciada com as atenções. Os colegas foram saindo aos poucos e só restaram os dois. Robertão e Juliana. E a conversa foi ficando mais íntima:

- Moro aqui perto e você?

- Com meus pais em Bel.

- Bel?

-Belford Roxo. Lá na baixada...

-Nossa! No mínimo umas três horas de ônibus, não tem medo de assalto? A esta hora sozinha é muito perigoso.

-Não percebi o tempo passar, são quase duas horas da manhã e não sei o que vou fazer...

- Pode ficar lá em casa, moro sozinho. Quer dizer, minha mãe é bem velhinha e não incomoda nada. Tem quarto sobrando, seu namorado não precisa ficar com ciúmes.

- Que namorado? Estou solteira, e vou aceitar seu convite, estou super cansada, Robertão...

A residência dele ficava na rua em frente ao shopping. Dez minutos e estavam na casinha humilde mas bem conservada. Fez questão de mostrar todos os cômodos: muita coisa antiga, móveis pesados e um cheiro de gato insuportável. Juliana olhou com repulsa os seis gatos empoleirados pelas poltronas, mesas e até em cima da geladeira. A morena disfarçou a ''cara de nojo'', Roberto era só gentileza :

- Quer tomar um banho, minha querida? Pego uma toalha limpa para você.

- Aceito. Com este calor fico tão suada... Você adivinhou meus pensamentos.

Quando Roberto voltou com a toalha, Ju estava no chuveiro com a porta aberta e a cortina de plástico transparente revelando tudo:

-Vem, vem que a água está uma delícia. Robertão não pensou duas vezes, arrancou as roupas e entrou no box do banheiro apertado. Agarrou o corpo desejado, tocou cada pedacinho com carinho. Tonto de tesão, esqueceu completamente seu maior segredo.

Jú acariciou o rosto de Robertão, o pescoço e os cabelos... saíram em suas mãos provocando um grito horripilante. Juliana segurando a peruca e gritando, despertou a mãe de Roberto. A idosa entrou no banheiro estarrecida com a cena: o filho nu e sem conseguir sair do lugar. Com uma mulher igualmente pelada, segurando um chumaço de pêlos molhados. Alguns segundos depois, Juliana corria pela casa procurando as roupas. Roberto levou a mãe de volta para o quarto e tentou convencê-la de que tudo havia sido um pesadelo. A velha senhora estava em pânico e precisou tomar calmantes. Escutou quando Jú bateu o portão da entrada com força. Ainda era madrugada, ficou preocupado com a moça na rua deserta mas estava tão envergonhado que não conseguiu tomar qualquer atitude.

No dia seguinte a Loja inteira sussurrava o fato, Juliana foi transferida para outro Shopping na mesma tarde. Saiu feliz, carregando na bolsa os 500 reais do prêmio do ''Bolão'' e a peruca enrolada em um saco plástico. Robertão assumiu a calvície pela primeira vez. Caminhou pelas seções exibindo a careca brilhante. Ignorou os risinhos e olhares dos colegas. Ao final do dia estava mais animado com os elogios ao seu novo visual. Havia descoberto o charme dos carecas.

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