— Sinto muito, senhor Jorge, mas não podemos liberar o seu auxílio-doença. Consta em nossos bancos de dados que o senhor está morto — a funcionária do INSS fitava a tela do computador.
— Mas, minha filha, eu ‘tô vivo! Bem aqui na tua frente!
— Não há nada que eu possa fazer, seu Jorge.
Desorientado, Jorge deixou o posto do INSS e foi para casa.
— Maria, você não sabe da última — resmungou Jorge.
— Fala, meu véio... — Maria lavava roupa no tanque.
— Não vou recebeu o dinheiro da licença-médica. ‘Tão falando que estou morto.
— Como assim, Jorge?
— Não sei, só disseram que eu havia morrido.
— Amanhã, você volta lá e confirma esta história.
E foi o que Jorge fez. Na manhã seguinte, retornou ao INSS, porém, obteve a mesma resposta.
— Estranho, não? — Maria coçava a cabeça.
No entanto, Jorge não respondeu, absorto em pensamentos. Passou o dia calado, não quis assistir à novela, foi dormir cedo. Mas o sono não veio, Jorge rolava na cama, atormentado com a idéia de que eles estivessem certos.
— E se eu estiver morto, Maria? — perguntou ele.
— Deixa disto, Jorge, você ‘tá vivo! — retrucou Maria, dormitando.
— Você tem que ir a um cartório, Jorge. Lá eles podem dizer se você está morto ou vivo. Se estiver morto, eles vão ter um atestado de óbito, com seu nome e data de falecimento — assegurou Luizão do boteco.
Jorge seguiu o conselho. Foi ao cartório e perguntou ao notário se havia um documento atestando sua morte.
— Que disparate, senhor! Se você está vivo, como espera que eu encontre algo provando seu falecimento?
— É o que dizem por aí! Só quero confirmar.
O tabelião se conformou, procurou e encontrou a prova que Jorge ansiava.
— Em que dia morri? — indagou Jorge, curioso.
— 15 de setembro de 1980.
— Quando eu tinha vinte anos — concluiu Jorge.
Em 15 de setembro de 1980, Jorge voltava de viagem com seu pai, sua mãe e a irmã caçula. O pai, caminhoneiro, os havia levado a Aparecida do Norte, cumprir uma promessa. Na contramão, um motorista de ônibus bêbado perdeu a direção e atingiu o caminhão onde Jorge e sua família estavam.
Todos morreram.
Jorge cuidava os túmulos onde ele e seus parentes estavam sepultados. Inequivocadamente, estava escrito “Jorge de Lima”, data de nascimento e morte. Não havia dúvidas.
Algo macabro havia ocorrido para que Jorge estivesse andando por aí, houvesse se casado com Maria, tido filhos, arranjado emprego. Se ele estivesse morto, como tudo indicava, qual explicação haveria?
Coisa do diabo? Ou um milagre de Jesus?
— Maria, tomei uma decisão... — Jorge estava triste. — Não gosto nada desta situação. Um defunto não pode ficar perambulando pelas ruas. Vocês vão ter que me enterrar.
Contrataram os serviços duma funerária e organizaram o velório. Jorge se deitou no caixão e, quando chegava algum dos seus amigos para ver o finado, ele lhes dava uma piscadela.
O padre fez um sermão, mas os rapazes não queriam fechar o esquife.
— Vai pessoal, estou morto há quase trinta anos, só falta completar o serviço!
Levaram o caixão para o cemitério, Maria chorava, os coveiros cobriram de terra o ataúde. Um dia muito triste pra todos.
— Dona Maria, não podemos liberar a pensão do seu marido — disse a funcionária do INSS. Nossos bancos de dados indicam que seu marido está vivo.
— Não, moça, ele ‘tá morto. Morreu trinta anos atrás.
— Há um Jorge de Lima falecido aqui, mas é outra pessoa. Sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer.
domingo, 10 de maio de 2009
O Dilema do Morto-Vivo
por Henry Bugalho
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