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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mistério outonal

Léo Borges


Folhas bege-sêmen caíam dos arvoredos da praça, criando enormes volumes e evidenciando a greve dos garis logo no início da nova estação. A névoa que surgia por de trás da casa de arquitetura obsoleta, cuja infiltração das paredes era escondida por artesanatos postos à venda, possuía um doce mistério: poderia ser fruto do clima outonal, mas também existia a possibilidade se ser a fumaça química de combate aos mosquitos do carro da prefeitura. A brisa gélida que acompanhava esta neblina brincava sutilmente com os cabelos pintados da bonita e ociosa moça da janela, ora embaraçando-os em nós, ora incomodando seus olhos cor de manjericão.

Com os cotovelos na sacada, tentando, vez por outra, acertar com cuspes um besouro que andava por entre o monte de folhas na calçada, a garota era cúmplice da chegada do outono e seu friorento ar romântico. Entretanto, não o contemplava só: um mendigo, deitado num dos bancos da praça, admirava a tal chegada de forma semelhante. Além dele, um rapaz, em outro banco, também curtia ambos: tanto o surgimento da frente fria quanto a bela loira na janela. Esta, por sinal, parecendo ainda mais deslumbrante ao emergir daquela fumaceira branca. O olhar de Lisa, que misturava preguiça e enfado, fitou o estranho. Sem reconhecê-lo como alguém da cidade, procurou analisá-lo melhor: achou-o horroroso. Porém, ficou intrigada com o fato de ele, além de ser feio e gordo, estar mais mal vestido que o mendigo. Ao perceber que o rapaz piscava os olhos com certa insistência em sua direção, Lisa acreditou que este ousava paquerá-la. O que ela não sabia era que aquilo não passava de um tique nervoso. A jovem, então, fez cara de zanga, soltou os cabelos que estavam enroscados nas alças da janela e fechou-a.

Recostou-se no armário e ficou admirando-se no reflexo do espelho. Lisa, loira da metade dos fios em diante e corpo – vá lá – muito cobiçado na cidade, julgava-se extremamente atraente para os caipiras da região. Vivia praticamente só por conta das constantes idas dos pais à fazenda, por causa de sua avó ter resolvido ir morar num asilo depois que descobriu que seu avô comprara um bordel e, motivo principal, por ser uma garota realmente muito chata.

Olhava por entre o decote de sua blusa de botões parte de seus diminutos seios. Acreditava ferrenhamente no poder de sedução deles, apesar de serem absurdamente pequenos, formosos como duas uvas maduras. Colocando-se de lado, aproveitou para analisar a lateral de sua coxa esquerda. Percebeu algumas celulites e, então, virou-se para analisar a outra, tentando salvar o momento de admiração. Também havia marcas que denunciavam certo acúmulo de gordura. Contrariada, ficou em quatro apoios, envergando o corpo e esticando as pernas. Viu que assim as famigeradas celulites praticamente sumiam, mas, para sua decepção, eram as estrias que agora se tornavam visíveis.

Lisa queria ser modelo e acreditava que só não era pelo alto índice de desemprego no país, por causa do dólar, do conflito no Iraque, da guerra civil no Sudão e da pesca predatória na costa do Chile. Enfim, pelo que via na TV. Embora não fosse uma mulher antenada, sabia que o mundo estava em crise e era por isso, achava ela, que só lhe ofereciam empregos de telemarketing. No campo afetivo, sua mente fútil dizia que era mulher para poucos homens. No máximo três porque senão virava orgia. Talvez um ator ou, deixando sua imaginação circense aflorar, um adestrador de leões. Como se considerava uma tigresa, quem sabe um desses não lhe daria jeito?

Foi quando alguém bateu à porta, quebrando suas idéias idiotas. Mancando devido a uma cãibra na panturrilha ocasionada pelas acrobacias narcisistas, Lisa foi atender achando que seria dona Marlene, a senhora da casa geminada à sua que vendia cigarros, bananas, artesanatos e, vez por outra, chamava-a para pedir dinheiro emprestado ou só para falar mal da vizinhança. Para seu espanto, entretanto, era o mesmo rapaz que havia visto na praça.

– Pois não? – atendeu surpresa. Em seus olhos via-se perplexidade e lentes azuis.

– Estou olhando esses objetos de barro e quero levar um para guardar como lembrança desta cidade. Aquele ali – falou o forasteiro, apontando para a maior peça do local, um belo busto feminino com o rosto repleto de mini-bolinhas –, adornará bem meu escritório. Lembrarei com isso que este lugar, apesar de não constar no Google, existe.

O inebriante e sedutor estilo matuto de Lisa passara impiedosamente a guarda do rapaz, evoluindo para uma chave-de-braço.

– Ah, desculpe, mas você tá todo errado, tá ligado?... Não trabalho com esses troços. Eu sou só a vizinha e proprietária da casa da dona Marlene, que é a artesã. Por sinal as vendas devem estar fracas porque o aluguel dela está atrasado. Como seu ateliê é também a sua casa, ela atende até de noite, assim como eu... quero dizer... enfim, ela deu uma saída mas já volta. E, com relação àquela obra, eu servi como modelo – destacou orgulhosa. – As bolinhas no rosto são as espinhas. Dona Marlene é insuportavelmente detalhista...

– Isso é o que me impulsiona a empreender todo esse empenho em adquiri-la. Da praça já havia consolidado visualmente a sua eloqüência. E se essa maravilha eu já armazenei na mente, por que não a sua estátua segurando a porta lá do meu escritório?

Lisa ficou desconcertada com tantas palavras difíceis e achou que Juliano fosse um grande nerd. Logo percebeu que de fato era mesmo. Mas, viu também que o rapaz procurava ser afável e essa postura fez com que a garota mudasse seus pensamentos. Então, de repulsa passou a nutrir certo interesse pelo camaradinha. Esquadrinhando o rosto do jovem, Lisa viu que ele não era tão feio e seu jeito intelectual-canalha ajudava a melhorar o lastimável conjunto. Juliano usava óculos de grau elevado, tinha a barba por fazer, não era alto, possuía mau hálito, estava fora de forma e ainda tinha o cacoete que o fazia piscar os olhos forçosamente a cada meio minuto. Apesar de tudo isso e também da roupa amassada que lhe conferia uma aparência de espantalho, o cara até que tinha seu charme. A moça gostou muito do jeito dele, mas procurou não demonstrar e tentou ser natural.

– Quer um suco de laranja enquanto a espera? Está muito gostoso. O suco. Você também. Brincadeira! Entre e fique à vontade. Qual seu nome, gato? O meu é Melissa, mas pode me chamar de Lisa.

Juliano ficou com água na boca ao ver Lisa andando para a cozinha. Estava muito excitado. Não exatamente pelo fato de o destino estar lhe concedendo uma deliciosa ninfeta de bandeja, mas sim por saber que mataria sua sede com um gostoso suco da fruta. Caminhou com o olhar pelas pernas da jovem – contornando as varizes, obviamente – até onde estas formavam os pés. Adorava pés. Mas também adorava bunda. Então procurou fazer o caminho inverso, subindo com o olhar. Subiu, subiu, subiu, mas não teve tempo de contemplar o monte glúteo, pois Lisa já estava de frente, voltando com o copo de suco.

Por um rasgo no short, a calcinha branca da gata pornograficamente escapava. Um som exageradamente caipira de uma dupla sertaneja desconhecida invadia a sala, vindo de um aparelho na estante. Um pouco tonto pela hipnose que a bela imagem do corpo de Lisa lhe causara, e também pela irritante música, Juliano apoiou-se em um quadro na parede onde Lisa aparecia ao lado de um homem montado sobre um jegue. Com o toque o quadro caiu. Constrangido, o rapaz rapidamente o recolocou no lugar.

– É seu pai? – perguntou para tentar disfarçar, apontando para a imagem no quadro rachado.

– Meu namorado – mentiu a jovem, pois se tratava apenas do bem-dotado caseiro da fazenda dos pais.

Juliano coçou o queixo, intrigado em querer saber, afinal, quem era o namorado.

– O que está por cima – esclareceu Lisa, vendo a dúvida nos olhos do visitante.

– Que sorte a dele, ter uma mulher assim: até certo ponto inteligente, relativamente atraente e, com doses cavalares de boa vontade, sincera.

Melissa sentia-se cada vez mais envolvida com o estilo debochado daquele sujeito.

– Sinceridade é algo incerto, pois se eu lhe disser que visto um sutiã preto realçando meus deliciosos peitos, isso pode ser verdade para você, caso não saiba, de fato, qual a sua cor – instigou a moça, permitindo que um lascivo interesse aflorasse como não acontecia há pelo menos três horas.

– Primeiro, você está sem sutiã; segundo, se você usasse sutiã este seria provavelmente branco para combinar com a cor da sua calcinha, e, terceiro, seus peitos são pequenos demais para serem considerados “deliciosos” – asseverou o jovem, mostrando segurança nas palavras.

Com inequívoca firmeza, Juliano desmontou a arrogância de Melissa. Ao final da última palavra, beijaram-se. Uma das mãos do forasteiro logo promoveu uma apropriação indébita da cintura de Lisa, passando por cima da blusa de seda. Tentou escapulir para dentro, mas sua falta de intimidade com os botões impediu um primeiro avanço. Melissa abriu mão de seu orgulho bobo e não só permitiu como implorou que Juliano a explorasse por inteiro.

Um pouco assustado com o frenesi da gata, ele a derrubou com carinho sobre o sofá. Na queda, Lisa bateu com a cabeça na quina do móvel, mas não pôde gemer porque Juliano ainda a beijava. As coxas da garota, apesar de não definidas e porcamente depiladas, formavam delicioso convite. Todavia, as mãos do rapaz, mesmo munidas do ingresso, quase foram barradas diante da brutal inexperiência no assunto.

Lisa, por sua vez, babava e mordiscava com ardor o pescoço do amante, utilizando toda a saliva que sobrara após o ataque ao besouro. Com descabida violência, a garota erguia a camisa de Juliano, passando a morder com intensa luxúria seu peito e também a barriga, faminta como um cágado procurando por alface numa horta. Gemidos de muita dor, e às vezes de prazer, ecoavam pela sala.

Escorregando de maneira profissional pelo corpo do rapaz, Lisa agachou-se e pôs-se a abrir sua calça. Enquanto superava os obstáculos têxteis, a loira discursou sobre como o destino pregava peças: minutos atrás, quando observara Juliano na praça, achou-o tenebrosamente feio e sem qualidades. A partir daí, um engano, uma conversa, um suco de laranja, um conhecimento maior e já foi o suficiente para ela se colocar ali, ajoelhada diante dele numa submissa posição para uma boa sessão de sexo oral.

Ao término do monólogo, uma profunda sensação de prazer invadiu o corpo de Juliano. Nem tanto pela chupada quente e gostosa da garota, mas mais pelo fato de esta atividade fazer interromper aquele falatório ridículo e sem propósito. Experiente, Lisa conseguia fazer com que seu aparelho ortodôntico não machucasse o rapaz. Ela seguia na eficiente acrobacia com a língua em atos que mostravam, com absoluta certeza, que por aquela boca muitos compradores de artesanato já haviam passado.

Ciente de que sua festinha ficaria restrita a um boquete, caso Melissa não cessasse a exuberante performance, Juliano puxou-a pelos cabelos loiros com inegável virilidade. Não conseguiu trazê-la na primeira tentativa, pois a excessiva quantidade de tinta amarela nos fios fez sua mão escorregar. Essa mesma mão resolveu, então, terminar de destruir o short já rasgado da garota, porque até então, pela delicadeza, o rapaz não conseguira nada e ambos ainda continuavam vestidos.

Possuindo-a carinhosamente, Juliano finalmente provou o sabor de Lisa e viu que esse era ainda melhor que o do suco. O corpo da jovem, quente como um forno siderúrgico, fazia Juliano entrar em outra estação – a do verão, muito provavelmente. Lisa seguia na mesma cadência, com inconfundíveis gritos, palavras sem nexo e frases com erros graves de concordância verbal. O rapaz curtia cada segundo, pois tinha noção de que comer outra igual àquela demoraria um bom tempo, caso não apelasse novamente para o Miami Night Girls. O orgasmo para Lisa chegava sob a forma de choques pelo corpo. Menos intensos, é claro, do que aqueles que ela sentia quando mexia no chuveiro elétrico com as mãos molhadas.

Olhando para o relógio, Juliano percebeu que já estava muito atrasado para a saída do ônibus pirata com os outros estudantes do seminário “Como aumentar a população das áreas rurais”. Viu, porém, que ter desvendado o mistério trazido pelo outono valeria qualquer esporro que certamente ele ainda ia receber do supervisor de turmas.

O pensamento de ambos viajava leve e gostoso após o coito. Lisa, fitando os olhos de Juliano, refletia: “Que romântico! Mesmo depois do amor ele ainda continua flertando comigo!... Ah, não, porra... é só o cacoete...”. Enquanto que Juliano também se confrontava com um dilema filosófico altamente revelador: “É... acho que no cuzinho não vai dar tempo...”.

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