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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Entrevista: Katia Suman e Claudia Tajes, do Sarau Elétrico

O que é o Sarau Elétrico?


O SARAU ELÉTRICO é um encontro literário-musical que ocorre todas as terças-feiras, desde 1999, no bar Ocidente, em Porto Alegre. Já incorporado ao calendário cultural da cidade, o evento reúne, todas as semanas, um público fiel e disposto a ouvir leituras sobre os mais variados temas e dos mais diversos autores nacionais e estrangeiros. Participam os professores Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno, a escritora Claudia Tajes e a radialista Katia Suman. O músico Frank Jorge fez parte deste time de 1999 a 2005. 

A principal característica do SARAU ELÉTRICO é tornar a leitura acessível a todos os públicos através da combinação de boa conversa, entrevistas interessantes, muito humor e informação. O SARAU ELÉTRICO tem mostrado, ao longo de seus quase dez anos, que a cultura também pode ser pop.

Os temas são escolhidos a partir de assuntos do momento (a comemoração de alguma obra, o aniversário de um lugar, o centenário de um autor, por exemplo), ou das grandes questões do homem –e da literatura: a saudade, a melancolia, o medo, o sexo, o amor, entre elas. Estilos como o conto, a crônica, a poesia; autores da grandeza de Manuel Bandeira, Baudelaire e Carlos Drummond de Andrade, movimentos  (literatura beat, modernismo, romantismo) ou épocas, como os Anos de Chumbo, já iluminaram as noites do Sarau Elétrico. Pode-se ainda delimitar o tema geograficamente (literatura norte-americana, literatura francesa, literatura gaúcha) ou fazer qualquer recorte que seja apropriado para contemplar autores ainda não visitados. Tudo o que sempre rendeu, e continua rendendo, boa literatura, é tema para o SARAU ELÉTRICO.

Os integrantes do SARAU ELÉTRICO intercalam leituras de textos relacionados ao tema com comentários, garantindo a descontração e o interesse da platéia. É dessa forma que, nas terças-feiras do bar Ocidente, a literatura perde todo e qualquer ar distante e incorpora-se à vida de Porto Alegre. No meio de tudo, o professor Moreno, responsável pela ‘coluna grega”, narra alguma história extraída da mitologia dos gregos, estabelecendo uma improvável, e sempre divertida, conexão com o tema da noite. Para encerrar, há sempre um “pocket show” de artistas locais.

O objetivo do SARAU ELÉTRICO é incentivar o hábito de ler, recuperar a palavra, o bom papo, a boa prosa, a poesia, a literatura, a letra da canção popular. É desse jeito que o SARAU ELÉTRICO tem contribuído para espalhar o prazer da leitura.

Em dez anos de atividades, o SARAU ELÉTRICO já realizou cerca de 500 edições, atingindo um público de cerca de 40 mil pessoas interessadas em literatura, cultura e educação. Nomes consagrados como Luís Fernando Veríssimo, Lya Luft,
Martha Medeiros, Fausto Wolff, Marçal Aquino, Fabrício Carpinejar, Donaldo Schüller, Jorge Furtado, Moacyr Scliar e tantos outros, já participaram do SARAU.  Responsáveis pelo show da noite, músicos como Vitor Ramil, Nei Lisboa, Bebeto Alves, Papas da
Língua, Nenhum de Nós, Júlio Reny, quartetos de cordas, grupos de chorinho, de samba e de rock, mostram a diversidade da programação e a simpatia dos músicos pelo
projeto.

Participantes fixos:
Luís Augusto Fischer, professor de literatura brasileira na UFRGS, doutor em Nélson Rodrigues, escritor, cronista e jornalista nas horas vagas. Autor de vários livros de crônicas, ensaios e contos, com destaque para o já clássico Dicionário de Porto-Alegrês e a premiada novela Quatro Negros.

Claudia Tajes trabalha em criação publicitária, escreveu alguns roteiros para televisão e tem 6 livros publicados, entre eles Dez (Quase) Amores, As Pernas de Úrsula, A Vida Sexual da Mulher Feia e Louca por Homem.

Cláudio Moreno, professor de português do Unificado e Leonardo da Vinci, escritor e cronista. Especialista em mitologia grega. Autor do best-seller Tróia, entre outros. Mantém o site www.sualingua.com.br

Katia Suman, graduada em Ciências Sociais, mestre em Comunicação, radialista e apresentadora da TV COM.


A entrevista a seguir é com as meninas do SARAU ELÉTRICO: Kátia Suman e Claudia Tajes.

 

(as respostas em vermelho são da Claudia, as em preto são da Katia)

SAMIZDAT: Nestes anos de atividade do SARAU Elétrico, vocês notaram que tipo de mudança, seja por parte dos ouvintes, seja por parte dos artistas participantes, em relação ao trabalho de vocês? 

Claudia: Eu, que participo há menos de dois anos do time, notei que muita gente que me conheceu no Sarau e que não havia lido nada que eu escrevi se interessou pelos meus livros.

Katia: As pessoas vão se renovando, o público vai mudando. Sempre tem gente nova aparecendo, embora haja um grupo de “fiéis” bem expressivo. Mas não consigo detectar um tipo de mudança, acho mais fácil falar no imutável, que é precisamente o gosto pela leitura. É isso que leva o público ao sarau. E é isso que há em comum entre eles.


SAMIZDAT: Qual é o principal público do SARAU: quem já gosta de literatura e possui o hábito de leitura, ou quem não tem o hábito, mas que busca um incentivo e uma orientação inicial? 

Claudia: Imagino que seja quem já se interessa por leitura, e gosta desse formato que junta literatura e diversão na mesma noite.

 

SAMIZDAT: O Rio Grande do Sul possui uma tradição de grandes autores e de importantes iniciativas culturais. A que vocês atribuem este fenômeno? 

Claudia: Dizem que a praia do gaúcho é a livraria. Acho que eu concordo, ainda mais quando se vê o Sarau e outras iniciativas até parecidas com grande público, mesmo em tempo de verão e férias.

Katia: Acho que tem a ver com geografia, um povo mais isolado, tem a ver  com o clima, mais propenso ao recolhimento, tem a ver com a formação histórica, marcada por peleias e enfrentamentos. Sei lá, acho que dá pra ir por aí.

 

SAMIZDAT: O livro é um bicho desconhecido - e amedrontador - para uma boa parte da população brasileira. Que tipo de iniciativas você acreditam que poderiam contribuir para aproximar as pessoas da leitura? 

Claudia: Primeiro, o colégio poderia rever as tais leituras obrigatórias e sugerir aos alunos livros mais dentro dos interesses deles, para não traumatizar a criançada com os clássicos que, se tudo correr bem, todos terão o prazer de ler mais tarde. E projetos como o Sarau certamente aproximam o leitor do livro e apresentam muitos autores interessantes para o público.

 

SAMIZDAT: Como foi que surgiu a idéia do projeto? Ele sempre teve o formato atual?

Katia: A idéia surgiu da vontade de ter um espaço para leituras e comentários, para falar de literatura sem ranço acadêmico. Desde o começo a idéia era ler, conversar e encerrar com música. Quando pensei na idéia, veio junto o local: só podia ser no Ocidente. Por tudo que representa, pelo astral. E pensei no Fischer, que recém tinha conhecido e no Frank, que na época fazia um lance na Ipanema, que eu tinha inventado, as Crônicas Frankeanas.

 

SAMIZDAT: Existe literatura além do livro? 

Claudia: Para mim, o livro é a expressão máxima da literatura. E mesmo os autores que surgem na internet, em algum momento, acabam publicando seus livros. 


SAMIZDAT: Falam muito da baixa qualidade dos livros que vendem muito, e da qualidade ainda pior de algumas traduções de bestsellers pelas editoras brasileiras. Sem falar do problema da falta de um público leitor, e ainda mais de um público leitor capacitado, pergunta-se: desde que esteja vendendo, faz alguma diferença que esteja bem ou mal escrito? 

Claudia: Talvez desse pra dizer: desde que as pessoas estejam lendo, não importa o que elas estão comprando. Mas se a gente lê para conhecer ideias bacanas, para descobrir coisas novas e enriquecer com os textos que escolhe, então dá uma certa pena ver a Bruna Surfistinha vendendo milhares de livros.

Katia: Faz diferença sim. Textos ruins não levam a nada. Podem até desestimular o incauto leitor, que não levará adiante a experiência da leitura.

 

SAMIZDAT: Há algum registro dos encontros? Já publicaram - ou pensam em publicar - um livro de memórias do Sarau?

Katia: Há centenas de gravações do áudio de saraus. Pensamos sim em publicar um livro. Talvez esse ano, quando ele completa 10 anos. O projeto está caminhando, mas tem a crise, a marolinha que virou tsunami e deve dificultar a empreitada.

Mas vamos tentar.

 

SAMIZDAT: Que acharam da versão do Fernando Meirelles para Ensaio sobre a cegueira?

Claudia: Eu gostei. Mas sou fã do Fernando Meirelles, talvez mais que do Saramago. Minha visão (ou falta de) é parcial.

Katia: Não vi.

 

SAMIZDAT: [Para a Claudia] Achei genial o trecho inicial da resenha feita pelo Fabrício Carpinejar ao seu A vida sexual da mulher feia

A Vida Sexual da Mulher Feia (2005, Agir, 136 págs.) já provocou gafes em algumas livrarias. Algumas pensaram que era auto-ajuda, um manual prático para as mulheres pouco abençoadas fisicamente. Outras acreditaram que se tratava de uma biografia. Difícil conciliar a estante biográfica com a fotografia de Claudia Tajes, publicitária gaúcha, bela morena de 42 anos e autora de outros quatro livros de ficção, Dez quase Amores; Dores, Amores e Assemelhados; As Pernas de Úrsula e Vida Dura.

 

A pergunta: Como você, enquanto autora, percebeu a receptividade do público ao romance? Não teve gente querendo o dinheiro de volta (pensando tratar-se de “outro gênero de livro”)? 

Claudia: A maior reclamação que eu ouvi foi: pô, me disseram que era uma comédia e é um livro triste. E acho que é mesmo, dá até pra fazer humor com a rejeição, mas o assunto é amargo. Eu pensei que talvez o livro pudesse chamar a atenção, mas fiquei surpresa com a boa aceitação dele. E mais ainda por ter tanta gente que se identificou com o livro.

 

SAMIZDAT: [também para a Cláudia] Antes de escrever um romance, em que momento decide se o protagonista será masculino ou feminino? Há um planejamento para esse tipo de coisa? 

Claudia: Eu gosto mais de protagonistas masculinos, mas às vezes me faltam ideias (e talento) para dar vida a um homem. Há pouco comecei a escrever sobre um ator pornô que tem o membro pequeníssimo. Acho que vai ser meu próximo livro, um dia.

 

SAMIZDAT: [Geral, mas direcionada para a Kátia]: Li a entrevista do dono da Jovem Pan, o Tutinha Amaral, à Playboy, em que ele afirma que na rádio dele nunca teve jabá, e sim "acordos comerciais". A Katia fez um trabalho acadêmico - a sua dissertação de mestrado... tá lá no Lattes - precisamente sobre esse assunto, o jabá nas rádios FM no Brasil. A pergunta: o mercado "artístico" funcionaria sem o jabá? 

Katia: Funcionaria, claro. E de maneira muito mais saudável, sem o desequilíbrio de forças entre um artista independente e sem grana e um artista de uma grande gravadora disposta a qualquer coisa para ter seu “produto” executado nas rádios, se apresentando na TV, nas capas dos suplementos culturais de jornais e revistas, etc.

Mas a fila anda e o mundo está mudando muito rápido. Hoje as gravadoras perderam a força, perderam grana, os independentes estão cada vez mais se impondo e a relação de forças se inverteu, a partir da internet e da música digital. O jabá está em extinção.

 

SAMIZDAT: Encontrei um dos romances da Claudia na íntegra em um site para leitura online. Nesse caso, há toda a referência aos copyrights, mas ainda assim, não precisei pagar um centavo para lê-lo (eu li só dois capítulos, tá! prometo que vou comprar o livro...). Que acham disso?

Claudia: Por mim, não precisa pagar nada. Lendo já está bom!

Katia: Do ponto de vista dos músicos, que é o que conheço mais, sei que o artista, historicamente, nunca ganhou dinheiro com a venda de discos. Não ganha aqui, não ganha na Europa, nem nos Estados Unidos. Artista ganha dinheiro fazendo show. Quem ganha dinheiro com venda de disco é a gravadora. Ora, se assim é, o artista se tiver uma distribuição grande pirata, ou seja, vender horrores nos camelôs, dificilmente vai reclamar da vida. Porque vai ter muito mais gente querendo ver seus shows.

 

SAMIZDAT: E a respeito de copyright, copyleft e das licenças Creative Commons

Claudia: Ainda estou em fase de consolidar alguma coisa. Se não me pagarem mas distribuírem meus livros por aí, eu ainda me acho no lucro (é por isso que eu tenho que trabalhar tanto em outra atividade...).

Katia: Sou totalmente a favor. Liberar geral.

 

SAMIZDAT: Houve, dia desses, o "Sarau das Listas". Vocês poderiam eleger, entre os brasileiros contemporâneos, ainda em atividade (i.e., vivos), uma lista dos cinco melhores escritores de ficção e os cinco melhores poetas?

Claudia: Na ficção, só medalhões: Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Marçal Aquino, Moacyr Scliar, Milton Hatoum e ainda a Cíntia Moscovich. Poetas: sou bastante ignorante no assunto. Gosto muito do Fabrício Carpinejar e conheci na semana passada, graças ao pelotense Vitor Ramil, a poeta de Pelotas Angélica Freitas, que lançou o livro Rilke Shake em 2007. Guria muito boa. Também leio a poesia das minhas amigas Martha Medeiros e Paula Taitelbaum.

 

Katia: Ficção: Trevisan, Rubem Fonseca, Daniel Pellizzari, Chico Buarque de Hollanda. Luis Fernando Veríssimo. Poesia: Adélia Prado, Fabrício Carpinejar, Gonçalo M. Tavares (português é quase brasileiro), Paula Taitelbaum e Martha Medeiros.

 

SAMIZDAT: Oficinas e cursos de formação de escritores ou de “escrita criativa”, como por exemplo as do Assis Brasil, funcionam? É possível ensinar alguém a escrever, ou tais encontros servem para “descobrir talentos”? 

Claudia: É possível ensinar a escrever. A partir daí, a sensibilidade e o talento de cada um é que decidem.

Katia: Acho que sim. Acho que escrever é uma habilidade que se pode desenvolver.

 

SAMIZDAT: Que pergunta deveria ter-lhes sido feita e não foi, considerando que esta é uma entrevista elaborada por aspirantes a escritores? 

Claudia: Tem a clássica: existe espaço para tanto escritor no Brasil? E eu responderia: até acho que não. Mas não é por isso que a gente vai desistir.

Katia: Ai, essa eu vou passar.



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Esta entrevista foi coordenada por Volmar Camargo Junior. 

As perguntas foram feitas por: Carlos Barros, Henry Alfred Bugalho e Volmar Camargo Junior.

 

 

 

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