Léo Borges
Um grande temor que percebo no mundo de hoje é o medo por algo que não deu certo ou pelo que pode vir a não dar. Se fechou bem, ótimo, a coisa funcionou, foi adiante, cumpriu seu papel. Mas e se existir a possibilidade de dar errado? Ou se ainda restam dúvidas, muitas vezes frágeis, que admitem um trágico fim da operação e que estão ali apenas para tentar dividir a culpa? Bom, é aí que entra em ação o tão decantado "né?".
Essa corruptela de “não é?” é uma das engenhosidades do ser humano para fazer com que o receptor da mensagem se veja encurralado. Ele deverá assumir uma situação já fracassada, próxima do desastre ou com a qual não está nem um pouco familiarizado. As duas letrinhas e a indefectível interrogação vêm sempre no final da frase e buscam a redenção da mesma.
- Todo mundo estudou pra essa prova, né? – pergunta um dos alunos que não estudou nada e que quer saber se vai poder encontrar alguém que lhe forneça a cola. A pergunta, em princípio, aparenta que ele também estudou, mas o “né” desarticula completamente essa impressão.
O “né”, em sua essência, é cínico, medroso, falso, despudorado, sarcástico, persuasivo, ameaçador e irritante. De tanto ser utilizado por quem precisa de uma escapatória, de um alicerce opinativo, de uma salvação argumentativa, ele vira cacoete. E essa, a meu ver, é a sua forma mais pobre:
- Então, tá, né?
Se “tá”, por que o “né”? Está feito, garantido, resolvido. Mas a pessoa não consegue ser forte e parar ali. Precisa do seu cão-de-guarda “né” por perto. Pior que isso é o “é, né?”. Ou seja, a pessoa concorda para logo imediatamente colocar em dúvida o que acabou de concordar. Para essa pessoa o fato “é”, mas, inconseqüentemente e com grande irresponsabilidade, “deixou de ser” e passou a ser dúvida, reenviada para a confirmação do emissor.
O povo é sábio e os ditados populares não caem nessa esparrela. "Cavalo dado não se olha os dentes, né?". Ninguém confere a “cárie” do presente recebido. É de graça, então a firmeza é a alma dessa afirmativa, não admitindo um "né?" gaiato. Ou "Antes tarde do que nunca, né?". Nem pensar. Aí o "né" daria margem para o evento nunca ser realizado.
Imaginem as grandes tiradas da Humanidade com o "né" incutido nelas. "Independência ou morte, né?". Né?! Que isso! Bom, ainda bem que Dom Pedro não titubeou nessa. E já imaginaram os milicos com "Brasil: ame-o ou deixei-o, né?". Com certeza não seria coisa de militar essa frase pusilânime. Os sisudos astronautas da NASA vacilando com “Houston, nós temos um problema, né?” trocaria o drama pela comicidade. A base responderia de pronto: “Apollo XIII, vocês têm ou não têm um problema, cacete?”. Ou ainda o ridículo que seria o lobo-mau respondendo à Chapeuzinho Vermelho sobre o tamanho de seus olhos: "são para te enxergar melhor, né?". A menina perceberia na hora a artimanha fake do bicho e veria que aquela vovó era um blefe, um engodo, uma farsa.
As pichações de muros, que muitos acham que é só molecagem, são quase sempre sérias quando abordam esse detalhe técnico. Não vemos por aí em spray vermelho coisas do tipo "Não jogue lixo aqui, né?" ou "Eu amo a Simone, né?”. Todos perceberiam a frouxidão da coisa e largariam entulhos sob o rabisco e zombariam da infeliz que, como estaria bem claro, era mentirosamente amada.
De modo semelhante temos o “you know” na língua inglesa. É o chantagista e coercitivo “você sabe” maroto - que também polui o final das frases - colocando na parede o coitado do interlocutor. Como o sujeito vai saber de alguma coisa se ainda pouco ou nada foi dito? É da mesma linhagem.
Eu sempre me patrulho para não largar um “né” nos finais das minhas falas. Acho um recurso feio esteticamente que não acrescenta nada ao discurso, a não ser a tal passada de responsabilidade. Se o outro responder ao “né” com “é” é porque ele assumiu a coisa e vai ter de se virar com isso.
Então, vamos combinar que esse negócio de “né” pra cá, “né” pra lá não está com nada, né? Ou melhor... Você não concorda?
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