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sexta-feira, 4 de abril de 2008

Dois Romantismos

Os Sofrimentos do Jovem Werther

É possível que este romance de Goethe seja um dos primeiros grandes fenômenos editorais da História. A comoção que a trama envolvendo o triângulo amoroso - Werther, Lotte e Albert - causou foi tamanha, que uma geração de leitores passou a se vestir com roupas semelhantes as de Werther.
Morrer por amor, suicidando-se, tornou-se um ideal.

A minha luta para ler "Os Sofrimentos do Jovem Werther" é antiga. Começou anos atrás, quando, pela primeira vez, tentei ler uma edição em português. O romance não é longo, mas o enredo não me cativou.
Tentei uma segunda vez, na época em que estudava alemão, numa edição germânica, e também não consegui concluir a leitura.
A terceira, e derradeira tentativa, numa edição de bolso americana, lendo trecho a trecho durante minhas viagens no metrô, foi a que me permitiu chegar ao fim.

"Os Sofrimentos do Jovem Werther" é um romance epistolar - uma coleção de cartas enviadas ao amigo Wilhelm -, que narra três etapas da vida de Werther:

- quando ele conhece e se apaixona por Lotte, uma jovem encantadora e inteligente;
- a chegada do noivo de Lotte, que representa uma ameaça ao amor que Werthe nutre por ela;
- o desespero e suicídio de Werther.

Talvez tenha sido a estrutura epistolar um dos fatores que dificultou tanto minha leitura. Não é o tipo de composição que mais me agrada e, como escritor, vejo sérios problemas na utilização deste recurso. Goethe se depara com estes problemas no curso da narrativa, pois, em algum momento, surge a questão:

"Como narrar o suicídio do protagonista, se é ele quem conta, através de cartas, sua desdita?"


Então, subitamente, duma seção para a outra, Goethe muda o foco narrativo, e não é mais Werther quem narra, mas sim um editor, do qual não sabemos nome nem nada, que continua narrando, exteriormente, os últimos acontecimentos da vida de Werther.

Uma falha brutal, na minha opinião, nesta obra considerada como um dos clássicos da Literatura. Mesmo assim, interiormente, nas dúvidas suscitadas por Werther, há poderosas reflexões.

Contos Populares dos Irmãos Grimm

É com grande nostalgia que alguém, como eu, que cresceu ouvindo (e assistindo) muitas das histórias compiladas pelos Irmãos Grimm, retorna a elas e revisita esta maravilhosa criação coletiva.

A versão que chegou até a maioria de nós foi, provavelmente, bastante diferente das histórias contadas pelos Grimm. Nos contos populares, há bastante violência, bastante brutalidade, visava ser um reflexo da natureza e, na natureza, a violência existe.

Os temas são recorrentes: a madrasta má que quer prejudicar as crianças; a bruxa que lança encantamento maligno; uma interdição - uma porta fechada, um fruto proibido - que, ao ser violada, lança os personagens numa série de desventuras; o rei que encontra uma menina pobre e a desposa.

Estes contos populares, de forte apelo educacional, foram passados de geração a geração, reunidos pelo esforço laborioso de Jacob e Wilhelm Grimm, e chegaram até nós, de maneira amenizada e, de certo modo, descaracterizadas.

Não podemos afirmar com certeza se as mensagens codificadas nas historietas de "Chapéuzinho Vermelho", da "Branca de Neve", da "Rapunzel" ou de "João e Maria" possuem o mesmo impacto, o mesmo sentido, que elas tinham num mundo pré-industrial, num momento de construção das identidades nacionais.

Por outro lado, como em qualquer outra boa história, há aquele elemento universal que as permite transcender seu contexto histórico e que ainda nos afeta - seja como uma criança, seja como um adulto.

Dois Romantismos

Estamos diante de duas expressões românticas; num dos extremos, há Goethe, o verdadeiro gênio do Romantismo. Um artista e intelectual que, ao lado de Schiller, estabeleceu as bases e princípios do movimento.
Suas obras não são apenas trabalhos de ficção. Em Werther, temos um rapaz com profunda e aguda capacidade intelectual. Ele questiona seu mundo, seus atos são deliberados. A paixão lhe turva os pensamentos, mas isto não significa que ele contradiga seus ideais. A paixão é um dos ideais e morrer por ele vale a pena.
Werther morre porque ele não pode desonrar sua amada, porque seu rival, Albert, é um homem bom e não merece ser enganado. Se Goethe fosse um autor realista, este tipo de preocupações éticas nem seriam suscitadas, Werther e Lotte consumariam seu amor, e toda a ruína disto adviria.
Mas, para o conceito romântico, basta que apenas Werther morra, pois da morte ele renasce como história e teoria. Graças à morte de Werther é que temos a história da vida dele.

Os Irmãos Grimm seguem outra vertente. Eles são intelectuais, os contos infantis e populares são apenas uma pequena parte do vasto trabalho deles; a missão dos irmãos era a descoberta - se não a criação - do Espírito Nacional, daquele elemento pátrio que permitiria distinguir uma cultura da outra. Eles estão no cerne da revolução que levou à formação dos Estados Nacionais, e o trabalho deles é parte deste processo de busca pela identidade cultural, lingüística, social, religiosa e racial.

Goethe é a criação, os Irmãos Grimm são a coleção. Não é possível entender o Romantismo sem considerar estes dois aspectos, sem correlacionar a busca pela essência dum povo com a criação duma nova mitologia para direcionar este povo a novos horizontes.

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1 comentários:

muito bons seus comentários, henry! diferentemente de você, li "Os Sofrimentos do Jovem Werther" em português, ainda menina, com 14 ou 15 anos... e li numa tacada só, varando uma madrugada... acho que o encantamento desse texto se dá justamente pela possibilidade de identificação ao arrebatamento da paixão, que nunca será o mesmo depois da adolescência...
quando comecei a estudar alemão, na semana seguinte à minha matricula no Goethe Institut em sampa, ganhei do meu marido a versão original do livro... meu alemão ainda não é suficiente para lê-lo na mesma velocidade com que li em português, mas ele está lá, na mesinha de cabeceira, e de quando em quando ensaio a leitura de algumas páginas...
penso que o romantismo em geral, e o romantismo alemão em particular, tem esse poder um pouco mágico de acessar em nós o que ainda temos de jovens, de idealistas, de apaixonados... não sei fazer uma crítica formal como você faz, nunca me soou estranho que o narrador do final fosse outro que não o jovem suicida... na minha opinião, o que diferencia uma obra de arte de uma criação comum, é essa capacidade, que só as genuínas obras de arte têm, de evocar no observador/leitor/ouvinte algo no plano emocional, psíquico, que escapa à racionalidade e que produz algum efeito de alma... e isso, com todas as críticas que se possam fazer, Goethe consegue de sobra!

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