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domingo, 6 de janeiro de 2008

Da Mais Alta Janela da Minha Casa, Alberto Caeiro

XLVIII

Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.

Extraído de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

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2 comentários:

Comentar Fernando Pessoa não é possível! Embora a língua portuguesa tenha ganho arranjos maravilhosos no Brasil, com Drummond, Bandeira, Vinícius ou Cecília Meireles, por exemplo, nunca consegui encontrar nenhum outro poeta que tenha sabido arranjar as palavras de um modo tão encantador quanto Pessoa!
E essa poesia escolhida, em especial, pode servir como um sopro de coragem para nós, amadores nestas artes da escrita, lançarmos também nossos versos e nossas prosas ao mundo!

Pessoa é, de longe, o meu poeta favorito. Poucos conseguem, como ele, versar sobre todos os assuntos e em todas as formas, poesia, prosa, ensaio, críticas.

E Caeiro é o heterônimo mais singelo e honesto de todos, é o único que consegue manter uma ponta de esperança no turbilhão da vida, mas uma esperança sem forma, sem objetivo, apenas o sentimento por si só, pois refletir sobre ele é, segundo o próprio Caeiro, deixar de sentí-lo.

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