É
muito estranho tudo isso. Mal tive tempo para discernir. As coisas se
movimentam numa velocidade inescapável. “O que se há de fazer?”, dizia minha
avó. Meu corpo não corresponde mais aos chamados da mente. É como se eu
estivesse num aparelho quebrado. Começou no ano passado. Vi que minhas mãos não
correspondiam ao comando de pegar um copo, ou uma xícara de café. Tinha
vergonha de fazê-lo em locais públicos, para as pessoas não ficarem com pena de
mim. Nunca me adaptei com um sentimento de pena sobre mim. No recital do
colégio, quase não conseguia segurar o microfone; a sorte foi que havia um
pedestal, em que o coloquei no momento exato, para não cair e os outros perceberem
a minha doença, que nem mesmo eu sabia o que era. Quando partiu para as pernas,
foi o momento em que tive mesmo de procurar os médicos. Foi uma bateria de
exames até descobrirem que estou com ELA. Daí, tive de sair do colégio para
começar o tratamento, que consiste em bastante fisioterapia e medicamentos. Mas
é uma doença progressiva, e a rapidez com que ela avança, dizem os médicos, é
individual; e que, para evitar isso, eu preciso de muita atividade,
principalmente cerebral. Tenho lido muitos livros, para instigar o cérebro a
pensar, e feito caminhadas e atividades diversas durante todo o dia. A questão
é que deixei que a doença avançasse muito. Devia ter ido ao médico, para saber
do que se tratava, logo no início. Mas, pensando bem, tudo se deu muito rápido,
sem que eu me desse conta; em questão de meses perdi a movimentação adequada
das mãos e, depois, a das pernas; vieram quase juntas. Contudo, o que de fato
não suporto é a solidão, ou a solidão que terei de enfrentar, de mim, com
relação aos outros também. Sei que minha esposa é muito bondosa, mas até quando
vai aguentar? Ela é jovem e precisa estar ao lado de alguém saudável. Eu falo
isso a ela, e ela diz que nunca vai me abandonar – fala aos prantos. Sou mais
pragmático, não quero que ela também fique doente por isso. A minha doença é um
karma meu, somente meu, não quero embutir na vida de ninguém. Não quero ser
também um peso para os meus filhos. Eduardo tem depressão, tem os seus
problemas de lidar com a vida. Já trancou a faculdade duas vezes por causa da doença.
João Luiz mora fora, passou num concurso e vive bem. Já lhe avisei que não deve
atrapalhar a sua carreira por causa dessa minha doença. Deixei claro que há uma
família inteira aqui para dar o suporte necessário. Rosilene tem medo de me
perder. Reza todos os dias, constrita, para a sua santinha. Bobagem, nada me
trará de volta a vitalidade. O pouco de fé que tenho é para pedir a Deus que
isso não atormente os meus dias, que não me mate antes do tempo.
Comentários
Postar um comentário