Avó e neta cruzaram o Callejón
del infierno para acessar a Plaza Mayor. Tereza
esperava ansiosa pela coincidência. Num outubro do Século XVIII, noutra noite
de Lua Cheia, a praça ardeu em chamas e o arco de entrada da praça transformou-se
num portal para o inferno.
No momento em que se preparava para um ritual, a
mulher acusada de prejudicar o herdeiro do trono espanhol Carlos II - O
Enfeitiçado, foi capturada pela Inquisição e enviada imediatamente para a
fogueira. Ela tentou, mas o rei não tinha cura.
Conta
a história que o fogo ateado não queimava a mulher. Ela irradiava muito calor a
partir do centro de sua testa, o que provocou ainda mais fogo, levado pelo
vento e incendiando a praça.
–
Vó, se temos costumes diferentes, por que usamos fantasia hoje?
–
Aproveitamos os costumes deles para nos mantermos incógnitas, parecendo pessoas
comuns, brincando com todas as outras que se vestem de bruxas, fadas, duendes e
tudo mais.
–
Mas por que no passado eles perseguiam as feiticeiras? – questionou a curiosa
Anna.
–
A ignorância, a ânsia pelo poder motivou as perseguições. Quando não sabiam
como explicar algo, transferiam o seu ódio para aqueles que faziam experimentações
e buscavam repostas, cura para aquilo que afetava a vida das pessoas. Achavam
que sempre tínhamos más intenções. Apenas invocamos as forças da natureza, o
destino escolhe os caminhos. É a nossa missão.
–
O que vamos fazer, vovó?
–
Hoje, a luz da Lua Cheia nos ajudará a criar um perfume capaz de encantar
qualquer pessoa. Basta uma gotinha dele para que aquele que escolhermos faça
tudo que desejarmos, ao menos por um dia. Se ingerida, a mesma gotinha será
capaz de prorrogar a vida de quem a absorve.
–
É por isso que você vive faz tanto tempo?
–
Acho, minha pequena, que você precisa saber mais sobre a minha, sobre a nossa
história. Já atravessei muitos séculos. Em 1672, também numa noite de Lua
Cheia, na véspera do Dia de Todos os Santos ou do antigo festival do Samhain eu estive aqui, para fazer a
mesma coisa que você fara hoje pela primeira vez. Esta noite me rendeu a
cicatriz em minha testa, similar a esta que você carrega. Não fosse o
encantamento de minha mãe, eu teria perecido.
–
Eu vou ser perseguida também?
–
Talvez não, hoje todos são mais tolerantes. Apesar de, no passado, muitos inquisidores
terem pago com a vida pelos seus pecados nas perseguições, alguns escaparam e aprenderam
o segredo da vida prolongada. Também, com o passar do tempo, o dia preferido das
feiticeiras foi transformado pela Igreja Católica, na véspera do Dia de Todos
os Santos e muitos povos aproveitam os três dias para homenagear os seus mortos,
em paz. Nós, comemoramos a vida.
–
Já está na hora?
–
Quase. Preste bem atenção, pois uma noite de Lua Cheia, num 31 de outubro, só
acontecerá novamente daqui a dezenove anos, em 1939. Você terá vinte e sete
anos e deve trazer a sua filha aqui, da mesma forma que faço hoje. Juntas
preparem a poção.
Tereza
tirou da bolsa algumas pétalas de gerânio-rosa, uma ametista e uma garrafa com
água mineral. Anna levava uma pequena bacia de cobre. Tudo foi colocado na
vasilha e por fim, Tereza agitou a água com um galhinho de alecrim. Os raios da
lua intensificaram-se enquanto projetados sob a mistura. Anna, quase
sussurrando, pronunciou uma espécie de oração, numa antiga língua Celta. Tereza
a repetia. Não perceberam o sujeito de capuz que se aproximava.
Depois
de alguns minutos exposta à luz da lua, a água apresentou tons de lilás e as
pétalas se dissolveram por completo. Anna retirou a pedra e colocou tudo na
garrafa.
Quando
saiam, o homem, que carregava uma pesada Bíblia, segurou o braço de Tereza.
-
Então, bruxa, pensou que escaparia! Não morreu pelo fogo, vai morrer pela minha
adaga.
Anna,
que segurava o frasco, o abriu com cuidado, molhou o dedo e passou pela marca
na testa. Depois ordenou:
-
Suba na torre da Real Casa de Correos
e salte de lá.
-
O Inquisidor não questionou e seguiu a passas largos em direção a Puerta del Sol.
Mãos
dadas, Tereza e Anna saiam da praça. No beco, um rapaz tocava Blackbird ao violão.
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