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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Sense and sensibility

— Você combina mais pelada — ele disse.

Uma frase dessas, sem aviso prévio. Ela se maravilhou.

Quando ele trazia declarações de pólvora, olhava pra ela profundamente. Parecia conhecê-la todinha. Sabia seduzi-la.

— Você combina mais pelada — repetiu, adivinhando que ela queria ouvir isso sempre, de novo. 

Por si só, ela não acreditaria na beleza, na atração do próprio corpo. Ela costumava pensar que teria ficado coberta, se ele não tivesse aparecido na história dela com aqueles olhos e palavras e membros que souberam despi-la uma e tantas outras vezes.

Quando ele falou daquele jeito, foi um milagre de felicidade. — Você combina mais pelada. Ela tinha mania de colecionar citações dos muitos livros que lia, mas nenhuma era tão perfeita, nenhuma fazia a vida valer tanto a pena quanto esta, dita a ela pelo homem que amava. Uma surpresa descobrir (não só sentir, mas saber também, ouvindo dele) que a paixão continuava, mesmo depois da primeira, da segunda, da centésima, da milésima primeira vez dela e deles. Ela sorriu sem graça. Ainda corava ao tirar a roupa e ostentava (agora mais que antes) a alegria de ser amada de verdade.

— É assim que você é. Pelada. E como é linda! — ele completou. Ela já estava arrepiada, mas se derreteu ainda mais. As palavras que ele dizia eram de uma franqueza e de um despojamento e de uma sensualidade que a desconcertavam. 

Ela havia lido que, quando chegasse àquela idade, perderia o desejo e inventaria desculpas para não se deitar com o companheiro. Mas nada disso aconteceu com ela. Gostava cada vez mais de se dar praquele homem.

— Interessante. Eu combino mais pelada? — ela perguntou.

— Sim.

E logo os dois se entregaram, atraídos por instinto e intenção. Definitivamente não eram um casal jovem nem perfeito, tinham várias dívidas a pagar e doenças a debelar. Mas não tinham dúvida: continuariam no caminho das desvergonhas e delícias. Era o mais certo a fazer.

Estavam sempre juntos, metidos a perseguir e orbitar o espaço fora da realidade. Havia tanto tempo que seus corpos brincavam de chegar àquele lugar que descobriram, que construíram e que queriam sempre visitar. Hoje fizeram de novo. Deixaram roupas, amarras, problemas, pensamentos. Chegaram lá. Naturalmente. Ao paraíso.

E foi incrível. Ela esqueceu que a calça 48 não mais servia, que o melasma do rosto havia escurecido, que os parênteses ao lado dos lábios estavam mais marcados, que o plano de saúde estava cada vez pior e mais caro, que a raiz do cabelo precisava de tinta, que era tempo de climatério. Só queria continuar sem casca nem pudor junto do seu velho, porque a nudez lhes caía bem.


Rememorando e planejando indecências e gozos, combinando tão bem assim, pelados, são, no entanto, obrigados a se vestir rapidamente, pois o neto mais novo acaba de bater com força na porta do quarto. 


Maria Amélia Elói

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