Minha mãe queria que eu fosse médico, mas teve a sabedoria
de jamais interferir no meu destino.
Um dos primeiros brinquedos que tenho
lembrança foi uma maletinha de médico, com estetoscópio,
seringa, espelho de refletir luz, pinça, tesoura, martelinho
para bater no joelho, tudo de plástico inocente para uma
criança. E saía eu auscultando e receitando chá
de carqueja, minâncora, emplastro Sabiá, maravilha curativa
e Sabão Aristolino a quem passasse na minha frente, fossem
avós, tios, babá, cozinheira, primos e coleguinhas da escola.
e Sabão Aristolino a quem passasse na minha frente, fossem
avós, tios, babá, cozinheira, primos e coleguinhas da escola.
Isso durou pouco e minha mãe, apesar do seu desejo
oculto, não ligou muito por eu ter abandonado a maletinha
no fundo do baú da infância. Logo me interessei por
outras coisas e no fim da adolescência já era publicitário,
redator, atividades que me levaram a diretor de criação,
executivo de agência de propaganda, roteirista, escritor
e professor, coisa que sou até hoje. Com muito orgulho.
A única vez na vida em que me aproximei de algo que
sugerisse uma atitude médica, foi nas enchentes de 1967
no Rio. Era escoteiro e meu grupo se apresentou como
voluntário numa escola municipal transformada em
acolhimento para desabrigados. Num daqueles dias caóticos,
um médico me convocou para ajudar uma velhinha tuberculosa
a entrar numa ambulância, sem antes discorrer
um almanaque de cuidados em que deveria prestar atenção.
Claro que como bom escoteiro, cumpri a missão de luvas e
um lenço amarrado no rosto. Morrendo de medo que a velhinha
me cuspisse.
Assim encerrei minha participação na nobre atividade.
E nunca mais fiz nada, além de um ou outro band aid num curativo
de filho.
Hoje lembro muito da minha mãe, que não está mais aqui. Imagino
o quanto ela estaria comovida com o trabalho dos médicos nessa
Terceira Guerra Mundial contra um inimigo sem rosto, sem pátria,
sem causa. E eu também estou encantado e reverente, diante dos batalhões
sem causa. E eu também estou encantado e reverente, diante dos batalhões
de profissionais da Saúde. Seres humanos superiores, desprendidos,
generosos, estoicos, vocacionados, comprometidos, determinados,
missionários, esbanjando conhecimento, consciência da ciência, lutando,
salvando e morrendo nas trincheiras dos hospitais em todos os cantos
do mundo. Comandantes da vida, senhores do destino possível, às vezes
generosos, estoicos, vocacionados, comprometidos, determinados,
missionários, esbanjando conhecimento, consciência da ciência, lutando,
salvando e morrendo nas trincheiras dos hospitais em todos os cantos
do mundo. Comandantes da vida, senhores do destino possível, às vezes
Golias, às vezes Davi, mas sempre gladiadores em defesa do que
há de humano.
Tenho vontade de dar marcha a ré no tempo. Ah, se eu pudesse:
uma rezinha só, por algumas décadas. E puxar a saia plissada
da minha mãe, interrompendo seu correr esbaforido para a escola:
“Mãe, eu quero ser médico sim. Acha minha maletinha.”
1 comentários:
A introdução capta a atenção.Bom texto, doutor.
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