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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O LANÇAMENTO


- Hoje tem.
Foi a senha que Clotilde passou para Ofélia, que passou
para Lenyr, que passou para o Sr. Waldênio.
- Naquela na porta no metrô.
Foi a contra senha.
E o quarteto se mobilizou. Clotilde foi ao salão.
Ofélia pintou as unhas. Lenyr subiu no banquinho para
alcançar a caixa de bijuterias. O Sr. Waldênio fez barba,
encharcou-se de Velva, aparou bigode grisalho, escovou
paletó xadrez e levou algum tempo para escolher gravata
mais chamativa.
Encontraram-se na saída do metrô.
- Ofélia, você não tem espelho?
- Quebrou, Lenyr. Dá azar.
- Tá se vendo. Borrou o batom. Parece boca de palhaço cego.
- Não seja indelicada, Clotilde.
- Sr. Waldênio, não se meta. Tenho que zelar para a amiga
não passar ridículo.
Mais não falaram. Entraram os quatro na livraria. Já havia
uma pequena fila em direção ao autor, debruçado sobre a mesa,
mãos felizes e sorriso sincero para todos os presentes.
Não entraram na fila. Não gostam de livros. A intenção sempre
foi única, há mais de 20 anos: frequentar noites de autógrafos,
vernissages, inaugurações de butique. Não perdiam uma.
Assim, garantiriam o jantar e, de bolsas cheias de
salgadinhos, canapés, mini sanduíches e de salsicha com queijo
espetados no palito, talvez, o café da manhã do dia seguinte.
Como sempre, estrategicamente, se separaram. Um em cada ponto
da livraria, mas sem nunca entrar na fila. Ficaram em lugares
chaves, onde os garçons passavam com água, refrigerante e
vinho branco básico.
- Onde estão os canapés?
- E os salgadinhos?
- Não tem coxinha?
- Nem palitinho de salsicha.
Estavam os quatro com o buraco no estômago. Recusaram o vinho
para não dar azia.
Lá pelas tantas, Clotilde ultrapassou a fila um tanto mais
caudalosa, sob a indiferença dos convidados que riam e
confraternizavam. E chegou à mesa do autor. Sem pudores.
- Lançamento mais chinfrim, meu senhor.
O autor levantou os olhos, com semblante perplexo, simpático.
Quis dizer alguma coisa. Não deu tempo.
- Tomara que seu livro seja como esse coquetel. Um fracasso.
E saiu Clotilde acompanhada dos indignados Lenyr, Ofélia e
o Sr. Waldênio pela livraria afora. Todos marchando em silêncio
em direção ao metrô.
- Paciência, Clotilde. Na próxima teremos mais sorte.
- Do jeito que esses intelectuais andam mesquinhos,
só inauguração de farmácia.


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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
todo dia 20


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