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segunda-feira, 21 de maio de 2018

Diva


Entrou um tanto cabisbaixo na loja de lingerie do shopping congestionado pelo temor em ser reconhecido. Tremia ante a possibilidade de deparar-se com alguma amiga da sua esposa em tão inusitado local para uma figura masculina. Perguntas maliciosas certamente seriam a tônica do hipotético encontro. Logo ele, um preservador de sua imagem de homem integro, temente a Deus até as entranhas, bom pai de família, marido exemplar. Fez menção em dar meia volta e abortar o plano traçado há meses quando uma vendedora aproximou-se exibindo um sorriso artificial, perguntando-lhe o que desejava. Suores transbordavam de sua face, traçando afluentes pelo pescoço, empapando o colarinho. Pediu uma calcinha vermelha. “Qual o tamanho?”, inquiriu a vendedora. “A menor que você tiver”, respondeu timidamente. Comprou ainda um sutiã, cinta-liga e meias, todas escarlates como a calcinha, sendo esta minúscula, menor do que já se poderia ser chamado de um modelo indecente.
Continuou sua insólita romaria por uma loja de sapatos. Comprou um salto alto, agulha. Atravessou em seguida o corredor do shopping preparando-se para sua mais audaciosa tarefa: a compra da peruca. Diante da vendedora, uma senhora com ares aristocráticos, a encará-lo de modo interrogativo, pediu uma peruca loira, comprida, fios até a cintura.
Pelos corredores do shopping descobriu um quiosque onde eram vendidas tatuagens temporárias, em forma de decalques. Adquiriu a figura de uma maçã, pecadoramente mordida. Quando já deixava a catedral de consumo, bateu com a palma da mão direita no alto da careca. Estava esquecendo um dos itens mais importantes: um aparelho de barbear.
Chegando a casa, encontrou a esposa ansiosa pela sua demora. Sem delongas ela se apoderou das bolsas de compras e foi para o quarto montar-se. O conjunto de cinta-liga, sutiã, meias e calcinhas, caíram-lhe bem no corpo balzaquiano. Os sapatos ficaram apertados. O esposo nunca acertava o número que ela calçava. Já a peruca construiu na mulher uma aparência germânica, a despeito da cor amorenada de sua pele. Quanto à buceta, o próprio marido fez questão de depilar. Ela arriou as calcinhas até os tornozelos. Sentimentos conflitantes de medo e excitação a assaltaram enquanto permanecia de pé, pernas abertas, sentindo o aparelho de lâmina afiada, impecavelmente manejada pelo marido, raspando-lhe o púbis. Como toque final, a tatuagem em forma de maçã mordida foi estrategicamente decalcada no lado esquerdo de sua bunda.
O homem não cansava de encarar, encantado, a nova mulher que concebera. Batizou a personagem interpretada pela esposa de Diva. Após doze anos de um casamento levado a banho-maria, Diva seria a sua primeira amante.

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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
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