Entrou um tanto cabisbaixo na loja de
lingerie do shopping congestionado pelo temor em ser reconhecido.
Tremia ante a possibilidade de deparar-se com alguma amiga da sua
esposa em tão inusitado local para uma figura masculina. Perguntas
maliciosas certamente seriam a tônica do hipotético encontro. Logo
ele, um preservador de sua imagem de homem integro, temente a Deus
até as entranhas, bom pai de família, marido exemplar. Fez menção
em dar meia volta e abortar o plano traçado há meses quando uma
vendedora aproximou-se exibindo um sorriso artificial,
perguntando-lhe o que desejava. Suores transbordavam de sua face,
traçando afluentes pelo pescoço, empapando o colarinho. Pediu uma
calcinha vermelha. “Qual o tamanho?”, inquiriu a vendedora. “A
menor que você tiver”, respondeu timidamente. Comprou ainda um
sutiã, cinta-liga e meias, todas escarlates como a calcinha, sendo
esta minúscula, menor do que já se poderia ser chamado de um modelo
indecente.
Continuou sua insólita romaria por uma
loja de sapatos. Comprou um salto alto, agulha. Atravessou em seguida
o corredor do shopping preparando-se para sua mais audaciosa tarefa:
a compra da peruca. Diante da vendedora, uma senhora com ares
aristocráticos, a encará-lo de modo interrogativo, pediu uma peruca
loira, comprida, fios até a cintura.
Pelos corredores do shopping descobriu
um quiosque onde eram vendidas tatuagens temporárias, em forma de
decalques. Adquiriu a figura de uma maçã, pecadoramente mordida.
Quando já deixava a catedral de consumo, bateu com a palma da mão
direita no alto da careca. Estava esquecendo um dos itens mais
importantes: um aparelho de barbear.
Chegando a casa, encontrou a esposa
ansiosa pela sua demora. Sem delongas ela se apoderou das bolsas de
compras e foi para o quarto montar-se. O conjunto de cinta-liga,
sutiã, meias e calcinhas, caíram-lhe bem no corpo balzaquiano. Os
sapatos ficaram apertados. O esposo nunca acertava o número que ela
calçava. Já a peruca construiu na mulher uma aparência germânica,
a despeito da cor amorenada de sua pele. Quanto à buceta, o próprio
marido fez questão de depilar. Ela arriou as calcinhas até os
tornozelos. Sentimentos conflitantes de medo e excitação a
assaltaram enquanto permanecia de pé, pernas abertas, sentindo o
aparelho de lâmina afiada, impecavelmente manejada pelo marido,
raspando-lhe o púbis. Como toque final, a tatuagem em forma de maçã
mordida foi estrategicamente decalcada no lado esquerdo de sua bunda.
O homem não cansava de encarar,
encantado, a nova mulher que concebera. Batizou a personagem
interpretada pela esposa de Diva. Após doze anos de um casamento
levado a banho-maria, Diva seria a sua primeira amante.
1 comentários:
Boa ideia, a do conto, e desvendada na frase final.
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