Dúvidas nunca
atormentam quem quatorze anos completa. Somente certezas. Certezas emolduradas
pela miséria pungente transbordada pelos becos estreitos da favela onde
habitava. Decidira assim abraçar o banditismo.
Não esperou a maioridade. Naquele ramo iniciava-se cedo. Infante. Esse
seria seu apelido. Henrique na pia batismal, Infante Henrique alusivo ao
monarca de terras além-mar. Em pouco tempo reinava na boca de fumo. Começara
soldado do tráfico e logo chegara a general. Abraçara um fuzil e com ele as
maldades que o faziam forte diante dos súditos. Sua palavra era lei e quem a
desobedecesse, morador ou membro da quadrilha, provava de sua fúria. Incontáveis
matou por vontade própria, outros, as balas perdidas disparadas por seu AK-47
tomaram o rumo indevido e ceifaram vidas no morro e no asfalto não tão
distante. Eu aperto o gatilho, Deus guias as balas, costumava zombar.
Raramente saia do seu
feudo-favela e sonhava virar inimigo público número um, estrelando cartaz
destacado no disque-denúncia tão logo completasse dezoito quando o improvável
aconteceu. Infante conheceu o amor. Menina de família, mãe crente. Largou tudo
por Cristiana antes da maioridade. Entregador de farmácia tornou-se. Certo dia,
voltando do trabalho o Infante criou asas e transformou-se em anjo por obra de
uma bala perdida que encontrou seu corpo. Morreu na via pública. Não fora
castigo de Deus tampouco fatalidade. Apenas mais um dia da barbárie urbana que assola
o País.
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