Arrebatamentos de potência e invencibilidade dominavam a
mente de Jorge Fontoura naquela manhã, depois de mais um negócio
bem-sucedido com investidores chineses. Fizera
bem ao aceitar o convite desta imobiliária discreta, mas de perfil
vencedor! Agora, havia que pôr a gorda e saborosa comissão a trabalhar. Resolveu colocá-la em aplicações financeiras agressivas, em vez de a deixar a marcar passo em obrigações
públicas ou em ações empresariais, cujo único incentivo era um
raquítico dividendo anual. O seu gestor de conta, que já em outras
ocasiões o tinha incitado a adquirir produtos de ponta, recebeu-o de
imediato:
— Tenho
justamente o que lhe vai agradar, senhor Fontoura — atacou o
gestor. — Já ouviu falar em SEP? São produtos de exposição
suprema, na sigla em inglês. Não lhe vou mentir; como o nome
sugere, são aplicações de risco máximo, em que o investidor pode
perder tudo de um dia para o outro, mas, se correr bem, como
sucede quase sempre, o senhor Fontoura pode ver triplicado ou
quintuplicado o seu investimento em um ano, ou até em poucos dias.
Quem não arrisca não petisca, lá diz o ditado.
— Ótimo;
mas de que se trata: ações, futuros, o quê?
— Uma
espécie de ações. Ou antes, unidades de conquista e predação,
como eu gosto de lhes chamar. Cada ação é como um soldado que
invade o território inimigo, mata quantos encontra e regressa com os
despojos. Ou então mantém-se a ocupar o território, a assegurar um
fluxo contínuo de riqueza para os acionistas. Para o seu bolso,
senhor Fontoura.
— Não
estou a entender nada. Já percebi que são aplicações agressivas,
mas apresentá-las como soldados a invadir território inimigo será
uma metáfora exagerada, não?
— De
modo algum! É mesmo disso que se trata. O que lhe proponho, senhor
Fontoura, são ações da Guerra da Crísia. Sim, aquela que começou
há quinze dias — reforçava o gestor bancário, perante o rosto
incrédulo de Fontoura. — É o produto que está na berra.
Aproveite agora, enquanto estão baratas, porque quando o conflito
ganhar dimensão, quando, como se espera, os rebeldes adquirirem
mísseis terra-ar e derem luta às forças governamentais, de igual
para igual, aí, senhor Fontoura, pode ser tarde. Aí, podem já
estar ao preço das ações da Guerra da Síria, que ainda é um bom
produto, sempre a jorrar dividendos, mas a que já não se pode
chegar. Agora, só os grandes bancos e os conglomerados financeiros
dos países ricos as podem comprar. Aliás, nem sequer aparecem.
Fontoura
parecia em choque. Pressionado pela pausa do gestor, acabou por
murmurar:
— Sim,
claro; tudo o que dá dinheiro é bom para investir…
— Refere-se
a empresas de armamento, não?
— Também; mas a gestão por objetivos obrigou a que se separassem as áreas de aplicação — Guerra do Iraque, Guerra da Síria, Guerra da Ucrânia —, cada uma com o seu fluxo de capitais e o seu retorno, por um lado, e a junção de várias empresas no mesmo esforço de produção. Um mesmo objetivo engloba, certamente, empresas de armamento, mas também empresas de reconstrução, empresas de segurança, até empresas de comunicação social, todas unidas no mesmo esforço de manter a guerra em atividade. O pior que pode acontecer é, sem se esperar, os contendores fazerem as pazes. Essa é a única situação em que os investidores podem perder grande parte ou todo o capital, porque as ações vêm por aí abaixo.
— Também; mas a gestão por objetivos obrigou a que se separassem as áreas de aplicação — Guerra do Iraque, Guerra da Síria, Guerra da Ucrânia —, cada uma com o seu fluxo de capitais e o seu retorno, por um lado, e a junção de várias empresas no mesmo esforço de produção. Um mesmo objetivo engloba, certamente, empresas de armamento, mas também empresas de reconstrução, empresas de segurança, até empresas de comunicação social, todas unidas no mesmo esforço de manter a guerra em atividade. O pior que pode acontecer é, sem se esperar, os contendores fazerem as pazes. Essa é a única situação em que os investidores podem perder grande parte ou todo o capital, porque as ações vêm por aí abaixo.
— Mas,
isso é horrível! — reagia, finalmente, Fontoura, acompanhando as
palavras com uma expressão de repugnância.
— Bem,
realmente há algumas associações de intervenção social que
chamam Stinky Ethics Products aos SEP, como quem diz Produtos de
Ética Pestilenta, mas a pessoa quando entra no mundo financeiro é
melhor nem saber em que é aplicado o seu dinheiro. É como os
frangos — gostamos do sabor, mas não queremos saber como são
criados.
— Diga-me
uma coisa: isso é legal? É que estou a ver que, se alguma coisa
correr mal, posso ser preso e julgado, acusado de me tornar cúmplice
de destruições e matanças, não?
— Ó
senhor Fontoura, eu nem estou a acreditar no que estou a ouvir —
impacientava-se o gestor. — O senhor desculpe, mas já viu algum
vencedor ser julgado? Nós estamos do lado dos vencedores, senhor
Fontoura! Agora, e por muito tempo. Mais depressa condenam algum
negociador de paz do que simples acionistas que não querem fazer mal
a ninguém e que apenas querem aplicar honradamente algumas poupanças
que conseguiram com o seu trabalho. Não é o senhor que vai lá dar
tiros…
— Está
bem, está bem! — contemporizava Fontoura, derrotado. — Crísia…
A Crísia até parecia um país sossegado. Lá tinham as suas manias,
como os outros, mas nada fazia prever isto. Eu cheguei a pensar ir lá
de férias. E, de repente, aquele obus na escola… E o governo a
dizer que tinham sido os rebeldes e eles a acusar o governo...
— Não
fui eu que disse, mas com certeza que às vezes é preciso dar um
empurrãozinho... Repare, os outros conflitos estiveram um bocado
parados e assim ninguém ganha dinheiro. Felizmente, parece que as
coisas estão a melhorar na Líbia. No Iraque, então…; as ações
estão outra vez a subir em flecha. Aliás, se o senhor Fontoura não
quiser investir na Guerra da Crísia, compre Iraque. Estou convencido
de que ainda vão subir muito mais.
— Não,
não; Crísia está bem. Gosto do país, gosto do povo. É pena irem
destruir aquilo tudo. Paciência!
Joaquim
Bispo
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