Doroteia sempre teve medo de anão.
Desde muito criancinha.
Uma vez, estava num elevador público com a avó. Entra
um anão.
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Né neném não, né Naná?
Foi sua primeira manifestação da fobia, que a persegue
a vida inteira.
Na infância mais madura, foi uma sequência de
oportunidades perdidas.
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Vamos ao cinema, Doroteia?
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Ver o quê?
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Branca de Neve.
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Não vou.
No aniversário da amiguinha.
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Quem são aqueles bichos enfeitando a mesa de docinhos?
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Gnomos, filhinha.
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Vamos embora.
Na adolescência deixou de ver Willow na Terra da Magia,
com a turma do colégio.
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Aquela sociedade que só tem anão? Tô fora.
Já adulta, um amigo a convidou para uma festa num barco.
No melhor estilo Ilha da Fantasia,
o amigo produziu um anão vestido de
marinheiro para receber os convidados no cais.
Por pouco não levou um tapa e
caiu dentro d’água. Doroteia esteva a beira de cometer um crime.
Uma vez quase cometeu. Havia um anão flanelinha na
porta do saudoso Real Astória no Baixo Leblon e Doroteia teve um impulso
assassino de dar marcha a ré sobre ao cidadão que estava ali ganhando uns
trocados. Foi contida a tempo pela razão e bom senso. Sorte dela e dele.
Trintona, profissional, casada e com filhos,
engoliu seu medo que a atormentava para não
passar para as crianças. Recusava-se a ler ou ouvir qualquer notícia sobre o escândalo dos anões do orçamento. Mas circo, filme ou teatrinho com anão era função do marido.
Soube por alto que haviam proibido na Inglaterra a indigna modalidade esportiva Arremesso de Anão e que muitos anões arremessados - com todos os dispositivos de segurança, claro - protestaram por perderem o ganha-pão. Doroteia se enterneceu, mas não esticou assunto.
passar para as crianças. Recusava-se a ler ou ouvir qualquer notícia sobre o escândalo dos anões do orçamento. Mas circo, filme ou teatrinho com anão era função do marido.
Soube por alto que haviam proibido na Inglaterra a indigna modalidade esportiva Arremesso de Anão e que muitos anões arremessados - com todos os dispositivos de segurança, claro - protestaram por perderem o ganha-pão. Doroteia se enterneceu, mas não esticou assunto.
Um sábado sem marido foi na despedida de solteira de uma amiga num daqueles shows de streaper masculinos. Belos rapazes, belos corpos, belos músculos, belos órgãos. Até que surgiu um anão.
Doroteia se desesperou. Saiu porta afora
da boate e pegou um táxi.
Correu risco. Ainda bem que o motorista não era anão.
Uma madrugada, acordou com um barulho estranho na sala. Era o marido insone que assistia a Game of Thrones, quando bem na telona aparecia o anão Tyrion Lannister. Doroteia mandou o controle remoto na televisão. Charivari no casamento, crianças acordando chorando, imenso prejuízo e 30 gotas de Rivotril para sossegar. 15 para cada um.
Uma madrugada, acordou com um barulho estranho na sala. Era o marido insone que assistia a Game of Thrones, quando bem na telona aparecia o anão Tyrion Lannister. Doroteia mandou o controle remoto na televisão. Charivari no casamento, crianças acordando chorando, imenso prejuízo e 30 gotas de Rivotril para sossegar. 15 para cada um.
Doroteia se açoitava com a fobia. Seria preconceituosa? Destrambelhada? Politicamente incorreta? Iminente criminosa? Assassina enrustida? Potencial psicopata? Teria sido traumatizada na tenra infância?
Submeteu-se a uma sessão de hipnose.
Voltou ao tempo. Dois anos de idade. Viu-se subindo
nos dedinhos gordos,
alcançando a maçaneta do quarto dos pais e pronto. O
trauma de cena primária?
Pai e mãe gemendo um sobre o outro?
Nada disso. O
casal assistia a um filme pornô, onde um anão
de tênis sodomizava uma cabrita.
-
Foi isso. Não posso carregar esse trauma vida afora.
Procurou um psicanalista..
Na surdina, não queria que ninguém
soubesse que precisava de tratamento.
Não pediu indicações a ninguém, não se
aconselhou com seu clínico, nem com seu marido, nem com o ginecologista. Abriu o catálogo do plano de saúde e foi com a cara e
a coragem.
Um fim de tarde, de óculos escuros e lenço na cabeça, bateu na porta de um consultório: Dr.
José Luiz Arrabal Cartagena, psiquiatra e psicanalista.
Estufou o peito e entrou. É hoje.
Seguiu-se um surto. Chamem a ambulância, tragam uma
camisa de força.
Perdeu estribeiras e sapato.
O psicanalista não passava de metro e meio.
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