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sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Faz zunzum pra mim




Faz quase duas semanas que passo por um cartaz colado em uma banca de jornais da Avenida Paulista e leio o seguinte título: “DOCE COM ATITUDE”. Não faço a mínima ideia do que possa ser tal mistura, e a foto da capa da revista que traz tal título apresenta uma moça com ar tipicamente angelical e roupa cor-de-rosa bebê, cheia de rendas, mas que deve ter sua bravura secreta prestes a ser revelada.

Não sei se entendo muito de doçura, tampouco de atitude. A única correlação possível que se forma a cada vez que, novamente, vejo a moça e a frase é a que se origina das abelhas. Doces e com muita, muita atitude.Uma atitude que pode se localizar no fato de serem dotadas de uma estrutura organizadíssima, em que cada uma sabe o que tem de fazer e o faz com tranquilidade. Com paciência, persistência, por uma vida inteira. Com doçura.

Uma atitude que está, ainda, no fabricar o mel doce, no fabricar a cera, e a cera que a abelha engendra acende a luz quando escorre da vela que me orienta, tão bonita a canção, ainda que não tenha dirimido minha raiva-temor das abelhas. A poesia nem sempre dá conta de tudo. De toda a atitude. De toda a doçura.

Uma atitude, também, que está na própria comunicação das abelhas, muito organizadas inclusive para se falarem, avisarem-se entre si da localização do néctar, das flores, dos possíveis perigos. As aulas de Linguística me embeveceram ao me revelar isso. Elas, tão perto dos humanos. Nós, tantas vezes menos organizados que elas, doces.

E pensar que já tive tanto medo delas, um pavor imenso que me fazia tomar os picolés de limão apenas na beira da água. Assim já lavava tudo, mãos, rosto, para eliminar o risco das manchas na pele, e ficava na água, seu pai lhe dizia que abelhas não gostam de água. Talvez fosse verdade, mas algumas se fixavam tanto no sorvete que arriscavam a proximidade da água e vinham. Atitude atrás da doçura.

E havia a história da minha tia, um dia picada por descuido. Uma coceira nas costas, a mão apenas para aliviar o incômodo na pele, e a picada na hora, doída, sem chance de pedir desculpas à abelha pelo equívoco da atitude.

A história me assombrou muito tempo, mas houve um dia em que foi a minha vez. A pele inchada. A pomada amarelo espessa que minha mãe passava. O choro, a água do mar respingando e eu correndo pela areia, com medo de a abelha me perseguir até o fim. Nessa época não sabia que elas, coitadas, morriam ao nos picar. São suicidas as abelhas, o que as faz mais doces e, certamente, com mais atitude. Mais, muito mais que a da moça da capa da revista. Mais, muito mais que as minhas atitudes.

Mesmo depois de eu ter procurado vencer o medo das abelhas, ter conseguido superar o grito e até a fuga, tenho pesadelos com elas vindo aos milhares para cima de mim. Com seu zumbido ensurdecedor, aquela mancha preta conjunta assumindo várias formas e me recobrindo, rasgando a pele até que eu incho por completo e caio desacordada, para despertar em seguida e levantar da cama. Na cozinha, abrir a geladeira, pegar um limão, espremer, colocar um tanto de água e encher de açúcar, saudando as atitudes que ainda virão de mim, sejam elas doces ou, preferencialmente, maduras. No maduro doce das frutas.

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