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terça-feira, 21 de julho de 2015

Narrativa Literário-futebolística em Quinhentas Palavras


“Zagueiro bonzinho acaba como babá do filho do atacante”. Pensava assim o beque Roberval até o dia em que vitimara Zeca com avassalador carrinho. O artilheiro flamenguista e ídolo da seleção brasileira ficou quase um ano no estaleiro com tíbia e perônio fraturados. Em conseqüência, Zeca, perdeu a Copa do Mundo e Roberval a paz de espírito corroída pelo remorso.
Viveu assim tempos difíceis o Roberval, beque conhecido pelo estilo viril aliado a certa malvadeza para com os adversários. Fora criticado por toda a imprensa futebolística, virando um bandido perante a opinião pública que antes o endeusava por sua demonstração de raça em campo. O zagueirão só não capitulara porque Jesus entrou de sola em sua vida quando Bernardo, meio-campo e Atleta de Cristo, o presenteou com uma Bíblia mandando que ele a lesse. Em semanas Roberval largou as noitadas, carros importados, marias-chuteiras e tomou ojeriza pela violência nos gramados. Virou um zagueiro clássico, daqueles de tirar a bola dos adversários como se houvessem pinças em seus pés. Nas entrevistas após as partidas, parafraseava Jesus ao justificar o sumiço de suas botinadas: “Não faça com os outros o que não quiser que façam com você”.
Brasil, celeiro de craques, viu nesta época surgir nas Minas Gerais Dentinho, para os especialistas da crônica esportiva, o novo Pelé. Dentinho humilhava os marcadores com sua técnica apurada e talento de malabarista com a bola nos pés. Zagueiros renomados perdiam o sono na véspera dos jogos contra o Cruzeiro, temendo a vergonha de serem entortados pela jovem revelação mineira.
Quis o destino que Cruzeiro e Botafogo decidissem o Campeonato Brasileiro em jogo único no Maracanã. Rádios, jornais e a televisão vomitaram durante toda a semana o duelo entre o malvado arrebanhado por Jesus e o novo deus da bola tupiniquim. Roberval passou a noite em claro. Cristão antes de ser zagueiro, tinha a obrigação moral de não machucar aquele menino prodígio.
Maracanã cheio, um clima de euforia intoxicando o ar. Antes do jogo, Roberval fez questão de presentear Dentinho com uma Bíblia.
A partida transcorreu nervosa como uma digna final de campeonato. Aos 35 minutos do primeiro tempo, o Botafogo fizera o seu gol e segurava a vantagem no marcador com um desempenho sólido de Roberval que, apesar de tomar alguns dribles de Dentinho, não deixava o atacante levar perigo à meta botafoguense.
 Acontece que, a natureza do escorpião revelou-se e ele picou a sua vítima.
Eram 44 minutos do segundo tempo. Em um contra-ataque, a bola foi esticada para Dentinho que ganhou na corrida de um zagueiro e rumou em direção ao gol. Roberval partiu para a cobertura e, temendo o empate cruzeirense, atingiu barbaramente o joelho direito de Dentinho.Um palmo fora da área. O atacante saiu de maca direto para a mesa de cirurgia, Roberval foi expulso e o Botafogo sagrou-se campeão.
Enquanto a festa alvinegra tomava a cidade, Roberval isolou-se em um templo evangélico. Chorando, Bíblia segura na mão direita, o zagueiro rogou a Deus para que perdoasse seus pecados.

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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
todo dia 21


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