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quinta-feira, 26 de março de 2015

Roda-gigante

Acabara de vender uma cobertura. A negociação lhe rendeu comissão bem gorda, melhor que a soma dos rendimentos dos últimos oito meses. Os compradores, grávidos de gêmeos e ávidos por lar espaçoso e aconchegante, saíram do cartório satisfeitos. Parabenizaram o profissionalismo de Geraldo Corretor. Ensimesmados na própria euforia, nem perceberam a sem-gracice do agente comercial.
“Grande tolo! Como é que fui deixar a Renata casar com esse advogado meia-boca? Sou um bocó incorrigível”.
Status: solteirão aos 47. É a terceira vez que Geraldo intermedeia a venda de imóvel pra uma ex-namorada. Terrível defeito de continuar mantendo contato amistoso com as mulheres com quem se relacionou! Empacado na vida sentimental, ele amarga de despeito e remorso, enquanto nenhum relacionamento vinga. Só vive de namoricos pipocados de piruás indigestos.
Não é verdade que Geraldo continue amando alguma das ex-companheiras. Renata, Valéria, Nice... Nunca foi realmente apaixonado por elas. Mas é que vê-las casadas dói.
Mora sozinho, de aluguel. Resolve que é hora de comprar o primeiro imóvel. “Mas só entro no financiamento quando tiver uma noiva”.
Não sente mais prazer em viajar sem mulher. Quer uma família tradicional e feliz. “Parece tão fácil para os outros”. A solidão o incomoda, principalmente à noite. É cada vez mais penoso voltar do trabalho. Precisa dum travesseiro de orelha, de anca e coração.


E é por isso que a Providência colocou um pé de coelho na porta de entrada da imobiliária. Geraldo vai guardá-lo sem que ninguém veja e vai interpretar o achado como sorte no amor. E é por conta do amuleto que sua vida vai receber sopro de sol. Tudo vai ser melhor pro nosso amigo.
Quando estiver de volta pra casa, no metrô, miraculosamente encontrará um assento vago ao lado de uma linda morena de sapato baixo e flor nos cabelos. Ao descobrir que ela trabalha de maquinista no parque de diversões, Gegê vai contar à moça seu último sonho: ele girava numa roda-gigante sem fim, sorria, entrava no arco-íris e ganhava o abraço de uma mulher inesquecível. Os dois iniciavam ali um círculo de sensações rodopiantes.
Geraldo vai namorar Raíssa por longos cinco meses. Marcarão o casório para o ano que vem, quando o banco, enfim, liberar o crédito imobiliário. Terão filhos sãos e alegres, parecidos com Raíssa, que adorarão os carrinhos bate-bate, frequentarão a montanha-russa e terão carteirinha de sócios no parque. Geraldo e Raíssa comemorarão todos os aniversários de namoro, noivado e casamento na mesma divertida alegria e continuarão sentindo pra sempre o mesmo frio na barriga, cada vez mais fiéis ao viciante looping do amor.


Amanhã Geraldo acorda tonto, labirintítico de girar. Não consegue se levantar da cama. Não vai ao trabalho. Quem encontra o amuleto é o dono da imobiliária, que já tem casa própria, esposa, filhos e uma bela criação de coelhos.


Maria Amélia Elói


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