Foto de Amber Inhim (Flickr) |
A cama do motel barato
sacolejava ao ritmo dos bruscos movimentos sexuais do Doutor Paranhos que, no
decorrer do ato, emitiu alguns grunhidos de prazer, revirou os olhos, trincou
os dentes e desabou pesadamente sobre Sueli. A secretária esforçou-se para
virá-lo de lado e, após livrar-se do peso que quase a sufocara, respirou
fortemente em busca do oxigênio salvador para em seguida constatar que o Doutor
Paranhos morrera. O homem não resistira. Os prazeres da cama o haviam
liquidado.
Sueli
andou desvairada ao redor do quarto, tentando por os nervos no lugar.
Contemplando o cadáver, imaginou-se acusada de assassinato, protagonista de um
escândalo. Todos descobririam o seu caso com o patrão. E como encarar Dona
Laurinda, esposa do Doutor Paranhos, aquela genuína lady? Procurou em sua bolsa
um comprimido de calmante, ingerindo-o com uma sobra de cerveja que ficara numa
latinha consumida pelo finado. A seguir, ligou para a fábrica, atrás do
Almeida.
—
Almeida? Sueli. Aconteceu uma tragédia!
—
O que houve? Onde você está?
—
Em um motel do Centro. Doutor Paranhos morreu, parece coração.
Breve
pausa do outro lado da linha.
— Se acalme e me passa o endereço que eu to indo
pra aí. Temos que tirá-lo deste lugar e preservar Dona Laurinda que tem o
Doutor na conta de santo.
Almeida
trabalhava no setor administrativo da fábrica. Adepto da filosofia do
puxa-saquismo e da ciência da adulação, tornara-se em poucos anos o homem de
confiança do Paranhos, conhecedor de todas as suas falcatruas nos negócios,
acobertador de suas estripulias sexuais com as operárias. Chorou sinceramente
alguns minutos a morte do patrão, por quem nutria um subserviente apreço e
decidiu que, pela boa imagem da empresa, ele teria um fim digno, longe dos
mexericos que um falecimento na cama de um motel de terceira categoria em
companhia da secretária de quinta certamente provocaria.
Chegou
ao motel trazendo a reboque outro funcionário, famoso por sua discrição. Sueli
os recebeu chorosa, vestida. “Uma pena”, lamentou Almeida, desejoso em conhecer
como seriam os peitinhos da Sueli que no ambiente da fábrica não passavam de um
mero relevo, insinuante, escondido por debaixo das blusas. Doutor Paranhos
curiosamente também se encontrava vestido, estendido na cama.
—
Sempre ouvi falar que o morto quando esfria fica duro feito pedra, parecendo um
bonequinho de chumbo e que é o maior sufoco botar uma roupa no sujeito. Então,
eu vesti o Doutor para evitar que ele passasse a vergonha de sair nu no rabecão
– Desculpou-se a constrangida secretária.
Almeida
foi a beirada da cama e encarou o defunto. O Doutor aparentava sorrir. “Pela
cara de sacana percebe-se que o senhor aproveitou muito bem os seus últimos
momentos de vida” – pensou.
Os
dois homens, ajudados por Sueli, pegaram Paranhos pelos braços e o carregaram
até o carro. Aos funcionários do motel, explicaram que o empresário estava
vivo, mas passando muito mal e que o levariam para uma emergência, o que
fizeram de fato. Doutor Paranhos deu entrada no hospital morto. Falecera no
caminho de volta para o trabalho, após passar mal em um restaurante onde
almoçava com os três empregados. Esta foi a versão oficial dada à viúva e ao
pessoal da empresa.
Velório
de primeira, caixão luxuoso rodeado por incontáveis coroas de flores, capela
apinhada de gente para dar o último adeus ao agora saudoso Paranhos. O esquife
seria carregado até o jazigo da família por membros da Irmandade da Ordem
Terceira do Carmo, da qual o defunto fora colaborador. Dona Laurinda, trajando
preto, carpia seu querido esposo. Muitos elogiaram as vestes da viúva, pois o
luto fechado não era comum nos dias de hoje. Postado ao lado da enviuvada,
Almeida recebia os cumprimentos pelo bom gosto na organização do fúnebre
evento.
Três
jovens mulheres aproximaram-se do caixão e iniciaram em conjunto um pranto
descontrolado, provocando comentários ligeiramente indignados por parte dos
familiares do Paranhos. Choravam copiosamente em trinca, como que se um querido
pai, estimado avô, ou um tio predileto houvessem perdido.
Dona
Laurinda discretamente cutucou o Almeida.
— Qual das três é a tal de Sueli?
— A do meio, de vestido sóbrio.
— E as outras duas? Também dormiam com o
safado do Paranhos?
— Sim senhora. A de decote
escandaloso e perfume barato é Dona Clotilde, do setor de compras, a com cara
de Madalena arrependida é a Maria de Fátima, uma das operárias.
Dona
Laurinda armou-se de um olhar de profunda repulsa, contudo, tencionando manter
as aparências e ser superior as suas ex-rivais, represou o ódio.
— Sou grata por sua
dedicação Almeida. A propósito, faça-me a gentileza de passar amanhã em minha
residência. Precisamos conversar sobre o futuro da fábrica.
“Rei morto, Rainha posta” – comemorou o
bajulador.
No
dia seguinte ao enterro, Almeida foi à casa da viúva conforme o combinado.
Inesperadamente, encontrou uma mulher sensualmente metida dentro de um decotado
vestido florido. A princípio, tal ousadia lhe pareceu uma afronta à memória do
Doutor Paranhos, mas ao prestar atenção no corpo carnudo de Laurinda,
cinqüentenário mas ainda possuidor de boas formas e relembrando o quanto o
falecido a traíra nestes últimos anos, Almeida relaxou nos escrúpulos.
Conversaram
sobre os problemas da fábrica, abriram uma garrafa de vinho, falaram mal do
morto e fizeram amor por horas a fio no chão da sala de estar. O desempenho
sexual da viúva surpreendeu Almeida. Com uma mulher fogosa como aquela dentro
de casa, o que o Doutor Paranhos procurava em suas amantes?
Enquanto
se vestiam, ainda ofegantes em razão da volúpia, Laurinda lhe ordenou:
— Amanhã, demita a tal de
Sueli. Pague os direitos da vagabunda.
Transcorrida
uma semana do erótico encontro, Almeida recebeu no trabalho novo telefonema de
Dona Laurinda, mandando que ele fosse imediatamente a sua casa. Desligou
eufórico. O que acontecera depois do enterro não fora um momento fortuito. A
viúva o queria como homem. O telefonema era a prova incontestável. Quem sabe os
dois se casariam e, ou invés de uma simples gerência como ambicionava, ele não
se tornaria dono daquela fábrica? E Laurinda, apesar da idade, possuía ainda
alguns atributos estéticos: “Uma boa meia-sola e ela agüenta mais uns dois
anos”, gracejou, radiante pela sorte que
havia pousado em sua vida.
Mal tocou a campainha, foi
recebido pela dona da fábrica trajando apenas um conjunto de calcinha e sutiã
negros, como convinha a uma enlutada. A viúva, sedenta, praticamente o violentou no chão da sala. Ao final da
cópula, Laurinda mandou:
—
Amanhã, demita a tal da Clotilde. E pague os direitos da vagabunda.
Intervalo de mais uma semana e Almeida foi novamente requisitado a casa
da viúva. Neste dia, nem roupas ela se deu ao trabalho de vestir. Recebeu o
amante nua, em sua sala de estar. Fizeram amor com selvageria e depois do gozo
o próprio Almeida se adiantou.
— Despeço a Maria de Fátima?
— Sim, e pague os direitos daquela vagabunda
com cara de Madalena arrependida.
O novo chamamento de Dona
Laurinda desta vez não demorou mais do que dois dias. Almeida chegou a casa da
amante cantarolando, com a cabeça recheada de idéias e planos gerenciais.
Tencionava mudar tudo na fábrica, fazer as coisas funcionarem a sua maneira. Ia
dobrar o capital daquela empresa. Mas antes, convenceria a viúva da necessidade
de fazerem um cruzeiro pelo Mar do Caribe, a título de lua-de-mel, pois ele
precisaria de um descanso antes de assumir os negócios.
Laurinda o recepcionou
friamente. Vestia luto fechado. Estranhando o fato, Almeida, respeitoso,
sentou-se no sofá cruzando a perna esquerda de modo que não exibisse a sola do
sapato. A viúva acomodou-se de maneira elegante em uma poltrona a sua frente e
falou:
— Senhor Almeida. Em respeito
aos longos anos de dedicação a minha empresa, eu o chamei aqui para evitar o
constrangimento de despedi-lo na frente de todo o pessoal da fábrica. Assim,
sugiro que o senhor peça demissão, sem direitos, e evite cenas desagradáveis.
Impactado pela notícia,
Almeida somente conseguiu, em meio a balbucios, perguntar o porquê de estar
indo para o olho da rua. Laurinda, vitoriosa, cortante feito uma navalha,
esclareceu serenamente.
— É impossível manter em
nossos quadros alguém que, conhecendo os segredos do seu patrão, o trai
revelando suas torpezas sem que a criatura ainda nem tenha baixado a sepultura.
Depois, trai as próprias colegas de trabalho, dedurando-as. E ainda trai pela
segunda vez o seu patrão, dormindo com a sua viúva na vil intenção de obter
vantagens em sua carreira. A traição impregna o seu caráter senhor Almeida.
Como confiar no senhor? Mais tarde serei eu a traída. Passe muito bem!
No dia seguinte, os
funcionários da fábrica foram surpreendidos pela carta de demissão do Almeida.
Mais admirados ficaram ao descobrirem que o ele renunciara aos seus direitos
trabalhistas.
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