Você deveria se comportar como um homem com mais de cinquenta anos – foi a pedinte frase que escutei sentando no Café de Copacabana naquela tarde.
A primeira impressão é que ela tinha invadido as minhas ideias no dia do meu aniversário.
— O senhor costuma vir aqui?
— Não. Rispidamente respondi.
Acendi um cigarro e encarei seus olhos. Ela balançou positivamente a cabeça e virou as costas para a mesa. Sozinho nos meus pensamentos fingia viver. Sou um desses homens com poucas horas e que consomem cigarros a revelia sem imaginar o amanhã.
Os meus maiores fantasmas carrego na ponta dos dedos ásperos, herança da infância sem a companhia dos meus irmãos.
— Venha aqui. Berrando meu pai dizia – hoje você vai trabalhar sozinho. Ele é apenas um menino, retrucava a mãe.
— Cala a boca. Ele vai aprender desde cedo a ser homem. Cabra macho igual ao pai dizia.
A interpelação franciscana da minha mãe rasga as minhas lembranças e debruça nas costas dos fantasmas que trago da infância.
— Filho, feche os olhos sempre diante de um infortúnio. Eu poderia espremer os olhos no escuro, mas não podia me limitar a não escutar os palavrões e tilintares do piso de madeira que chegavam do quarto.
O primeiro fantasma real que trago da vida foi criado na minha própria infância no interior do Espírito Santo. Ainda com os joelhos ralados pelos jogos de bolinha de gude no campinho da Asaz Vera Cruz - desconfiava que o pulha do meu pai surrava a minha mãe. Em casa ao olhar para o seu rosto eu via nos seus olhos a resposta – o mundo não é tão bom quanto seus olhos de menino querem ver.
Hoje recluso em estar com as pernas esparramadas neste café, permito ao tempo passar com seus vestígios. Nos dedos ásperos, alianças não entram, nem mesmo quando minto que sou casado para alguma menina da “gare” em noite de samba na Lapa, meu mais novo reduto. Fumo enquanto a olho caminhando pelo café – mas não posso ser aquilo que nunca deixei de ser.
quarta-feira, 18 de março de 2015
O fantasma do meu pai
por Bruno Scuissiatto
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