(Escrevi esse texto em 01/03/2012,
depois que meu pai passou por um delicado processo cirúrgico, que foi seguido
de algumas complicações pós-operatórias. Hoje, graças aos médicos que dele
cuidaram e do carinho de seus amigos e familiares, ele se encontra gozando de
plena saúde, apesar de seus muito bem vividos 83 anos de idade)
Pai;
O senhor sabe o que é ter medo, medo de
verdade? Eu sei. Durante boa parte de minha vida, tive medo que você me
batesse, me castigasse ou não me aprovasse. Tive medo que seu amor me fosse
negado, que o senhor não me protegesse do mundo, que eu não pudesse mais viver
sob seu teto. Tive medo que você tivesse vergonha de mim, que eu te
decepcionasse, que desejasse ter dado a vida a outro filho que não fosse eu.
Todavia, de todos os medos que já senti
na vida, pai, talvez o maior deles tenha sido o de que você sofresse, não só
através de mim ou de qualquer outra pessoa, mas através da dor. Hospitais
sempre me deram um medo abominável, mas, encontrá-lo no leito de um deles me
amedrontou ainda mais. As bolsas de soro, as seringas, as enfermeiras
sonâmbulas, a sonda que auxiliava em teu tratamento e que, mesmo assim, me
preenchia de receio e pavor... Medo! Medo! Medo! Eu tive tanto medo, pai. Por
ti. Por mim. Tanto medo.
Mas eu não sou de subjugar-me
facilmente... Ai, isto eu aprendi certamente contigo. Não permiti que o medo me
vencesse, me desarmasse. Então permanecemos nós dois ali, o medo e eu, a velar
teu inquieto sono enquanto eu descobria uma coisa boa através do temor que eu
senti por ti. O senhor é tão forte, pai. Não reclamou, não gemeu, não chorou,
mesmo com as marcas do processo cirúrgico que tatuavam os lençóis com dor e
sangue. Você foi tão corajoso que acabei por crescer dentro de mim, inspirado
em tua vontade de viver, em teu desejo de continuar neste mundo tão feio,
porque em teus olhos que não envelhecem, este é o mais belo dos lugares, e é
onde o senhor insiste em permanecer com tanto bom humor e integridade.
Após tua alta médica, sonhei com uma
lembrança distante de minha infância. Estávamos tu e eu na feira-livre, o
senhor sempre com seu passo apressado e eu a esbarrar nas pessoas, pequeno,
magro, assustado com a ausência de tua mão que sempre insistiu em nos deixar
andar ― meus irmãos e eu ― com nossos próprios pés. De repente, me perco. Olho
para os lados, afoito, inquieto, ai o medo, ai o medo. Então tenho a
desesperada ideia de me por de gatinhas, arrisco-me a ser pisoteado e então,
para meu alívio, reconheço teus chinelos e teus tornozelos, no meio de tantos
pés que jamais me levariam até onde o senhor me levou. E eu cheguei longe, pai.
Cheguei exatamente aqui, onde não temo mais ter medo.
E não me interessa mais se sou um bom
filho, se o senhor é um bom pai, se fizemos a coisa certa, se nos entendemos ou
se nos acostumamos. O que me importa é que estamos juntos e que o tempo que nos
resta é um acessório desnecessário à manutenção de nossa amizade.
Pai. Meu pai. Não tenha medo. Agora
posso te chamar de filho.
Emerson Braga
15/12/2014, segunda-feira
1 comentários:
Emocionante! Maravilhoso! Sensacional! Como você, eu também aprendi a não ter medo do medo, meu amigo valente. Parabéns!
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