O BARBEIRO


Entrei desconfiado. Afinal de contas, no quesito “corte de cabelo”, o Japão sempre foi para mim uma gigantesca babel. E não somente pelas dificuldades com o idioma, mas principalmente pelos embates que tenho tido com os barbeiros nipônicos no momento de pedir o tipo de corte. Ou eles exageram, aparando demais no topo, ou não cortam o suficiente, recusando-se, por exemplo, a colocar as costeletas na medida certa. Isso sem falar nas inúmeras mãos trêmulas que destruíram meu já nada favorável visual e que, em conjunto, levaram-me à conclusão de que não há maior sofrimento para um estrangeiro no Japão que a barbearia.

De tal modo que a desconfiança citada no início do texto tinha todas as razões para existir. O que se agravou quando fui comunicado que Maria-San ― era este o nome da barbearia, não do barbeiro ― era um dos locais mais tradicionais de Quioto: o que traduzi logo como “ele não está acostumado a clientes estrangeiros, então nem pensar em falar outra língua que não a japonesa”.

Mas qual! Ao adentrar o recinto, para minha surpresa, fui recepcionado por um simpático senhor com um sonoro “good morning”, completado pela indagação com a famosa mímica da tesoura: “Cut?”. E para corresponder o esforço, respondi-lhe com o tradicional “hai” (sim, em Japonês) e, em seguida, sentei-me para entregar meus até então “maltratados cabelos” às profissionais mãos do barbeiro.

E não me arrependi. Nem do corte nem da conversa. Pois o simpático velhinho, além do talento com a tesoura, fez-me lembrar as boas barbearias do passado ― onde o dono era conhecido de todos no bairro e falava dos mais diversos assuntos, desde futebol até a vida da vizinhança. E foi justamente o futebol que possibilitou a comunicação com nosso barbeiro de Quioto. Após a pergunta inicial (Donna kuni kara kimashita? ― De que país você vem?),  ele, descobrindo que se tratava de um brasileiro, começou logo a falar sobre Copa do Mundo. E aí a decepção japonesa foi citada bem menos que os “sete a um” que tomamos dos alemães. E depois de voltar três vezes ao mesmo assunto ― sempre seguido de uma gargalhada pela derrota canarinho ―, o Sr. Yumiki ― exato: a essa altura eu também já sabia seu nome ―, pegou o espelho e perguntou-me: “Good?”. E, após o meu “Hai”, ele fez o famoso sinal do “círculo formado pelo polegar e indicador” e arrematou: Ok!

Agradeci-lhe e, saindo da barbearia, sorri de satisfação; uma vez que, indubitavelmente, Maria-San, personificada no conversador Sr. Yumiki, havia resgatado minha fé nos barbeiros japoneses.

De tal forma que, no próximo ano, de volta a Quioto, irei novamente ao Maria-San. E, do jeito que (des)anda o futebol brasileiro, regressarei à barbearia com outras divertidas histórias de nosso desempenho nos gramados para que o Sr. Yumiki e eu possamos novamente rir juntos.
  

Comentários



  1. Definitivamente, você tem o dom para a crônica! É uma leitura fácil para o leitor, e prazeroso. Lê-se de "chuá", como eu digo. De um fôlego. Enfim, vivam Quioto e o Sr. Yukimi (ou seria Maria-San...?).


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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Obrigado, querida amiga Cinthia. Uma alegria enorme receber suas lindas palavra, minha talentosa amiga. Feliz. Muito obrigado pelo carinho. Abracos meus e do Sr. Yumiki. :)

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  4. Que crônica deliciosa. Quase podemos escutar as tesouras e as falas, que se confundem e se entendem através desta linguagem universal chamada GENTILEZA. Parabéns, meu querido!

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  5. Obrigado, Emerson. Muito feliz com seu comentario. E, de fato, a GENTILEZA vence quaisquer barreiras de linguagem. Grande abraco do Japao.

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