Nua de bruços, pernas abertas sobre uma maca, a mercê da
rispidez das ceras depilatórias não é circunstância propícia à leitura. Mas dou
um jeito de fixar mãos, queixo e olhos hipnotizados diante de "O Criado
Indiano”, um bálsamo entorpecente que me pegou na veia.
Sei que sou presa fácil para literatura erótica, mas que
diabo baixou nesse autor, Liam. G. McRonan, um irlandês de 22 anos, vivo, cara
de ricota de óculos, expressão inocente de quem nunca se imiscuiu pelas
cavernas de uma mulher?
Danadinho o menino. Escreve delicioso as primeiras e
progressivas incursões amorosas de Rose e Mary, duas jovens primas londrinas
que se encontravam nas férias de verão na imensa propriedade da família em Northamptonshire, no
ocaso do século XIX.
Sob os rigores da moral vitoriana, a descoberta da
sexualidade das duas moçoilas é apimentada por Hardik, um jovem criado indiano
que foi importado pelo lorde avô para servir como cavalariço. Segundo McRonan,
era chique e imperial a aristocracia dar um toque exótico aos seus domínios,
recrutando jovens colonizados. Um aborígene cuidava dos cachorros de caça, um
egípcio dos carneiros e um zulu abanava a tias menopáusicas, mas isso para mim
é encher linguiça na história: não merece a menor importância na trama que me
seduz.
As meninas se enrabicharam mesmo foi pelo amorenado de Khajuraho, berço do
erotismo hindu, que se dizia sacerdote secreto do sexo tântrico ao cair da
noite.
O serviçal de sorriso iluminado, como descreve o irlandês,
aproveitava a placidez dos cavalos para transformar baias afofadas em espaços
de lições de libidinagem a três, com foco em preliminares, massagens em
genitálias e arredores, e delírios do sexo oral saboreado com gosto. Tudo
decantado em ricos detalhes que produzem situações que me encharcam até sob a
ameaça da cera depilatória.
E arde o livro.
Urram as moças, sem que a virgindade fosse maculada todo
entardecer, até que a farra é descoberta pelo mordomo puxa saco, que, claro,
delata os três prevaricantes ao patriarca. As meninas desonradas são embarcadas
de volta a Londres, deserdadas da família, temerosa que se tornassem vulgares
cortesãs, apreciadoras da carne e dos prazeres do diabo. Dá-se início a uma perseguição óbvia ao mais
fraco do trio. Passa o indiano a viver entre os bosques, tal um animal ferido,
mas sempre arranja um jeito de surgir no alojamento da criadagem, quando
copeiras e cozinheiras fartavam-se com suas técnicas de dedos e línguas
enlouquecedoras.
Passa o tempo e as palavras atiçam minhas malícias.
O cavalariço exótico sobrevive e aparece em Londres
disfarçado de operário e protestante convertido. Consegue trabalho no
alojamento de uma fábrica de graxa, onde um belo dia descobre Rose e Mary em
vestes imundas de adolescentes escravizadas pela selvageria industrial que
emergia. A fudelança recomeça, não mais no entardecer das baias fofas - e não
mais virginais -, mas nas madrugadas dos becos lúgubres de Londres.
Sedutor incorrigível e próspero trambiqueiro, Hardik
resgata a dignidade de Rose e Mary, oferecendo às duas moradia limpa, sustento,
respeito, amor e carinho. Começam vida nova longe das cinzas das fábricas, mas
não tão distante das tabernas onde renasce o sacerdote tântrico, capaz de
produzir filas imensas de moçoilas de vida difícil, ávidas por aprender novos
truques e prosperar pelas camas com os burgueses emergentes abastados.
O trato está estabelecido.
O indiano enche a burra de dinheiro, lecionando às fêmeas
excluídas das fábricas a lascívia muito bem treinada em casa com Rose e Mary.
Mas jamais permite que as duas priminhas de Northamptonshire, reconduzidas à condição de
madames, levem uma vida ordinária. O tríplice casamento segue uma
loucura, uma transgressão excitante no limite da pureza, do amor bandido e do
suspense. Acho que uma delas vai escapulir.
Estou nas últimas páginas e vou ralentar a leitura, temendo
a abstinência psicossexual a que serei irremediavelmente condenada ao término
da leitura. Sofro disso.
O fim de um bom livro é um tédio pós coito, é a volta
solitária do aeroporto depois de embarcar uma paixão relâmpago, é um vazio
interior, uma lacuna doída de personagens que entram na nossa rotina afetiva e se
instalam sem cerimônia nosso imaginário. Esse triângulo despudorado inspirador
só não vai me matar de saudade, porque já comecei a colocar em prática as
delícias ensinadas por Hardik.
Agora mesmo, não vejo a hora de encerrar o ritual do
sacrifício dos pelos indesejáveis, pular fora dessa maca, entrar na sauna do
spa, trocar suores por energia e pele cheirosa, e depois de uma hidro massagem
mal intencionada, correr para Renato, que, a esta hora deve estar em casa me
esperando.
É longa a distância entre o spa e nossa alcova do outro
lado da cidade. O que basta para represar o desejo de me entregar às delícias
deliberadas pelo meu marido. Meu amorenado de sorriso iluminado, meu criado de uso
próprio e real.
E viva a literatura, o sexo e a imaginação.
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