Numa de suas
brincadeiras de criança, o filho perguntou qual palavra achava mais bonita.
Iria escrevê-la com seus cubos de madeira estampados por letras.
Nem precisou pensar:
− “Desejo” − respondeu.
− “Desejo” é a palavra mais bonita.
É no desejo que tudo começa, pensou. É no desejo sexual, corporal e
compartilhado, que começamos todos nós. Desejo de dois, de dois que nos fazem.
− Desejo é com “s”? –
perguntou o filho.
− Isso, com “s” −
respondeu.
Com s de seguindo. Seguindo, formando e
reformando por conta de outros tantos desejos.
O desejo de brincar, de
buscar carinho, colo. Aquele querer, querer, querer... Querer infantil, como se
tudo existisse só para si, como se fossemos únicos no mundo.
Então o desejo de se
espelhar, de ser como o pai, de ser como a mãe. De ser o super-homem da
revista, a mulher-maravilha da televisão.
Com o tempo, o oposto:
o desejo de firmar-se e então matar pai e mãe, rir dos super-heróis, desejar ser
independente.
Em um dado momento, desejo
de ter o que o outro tem, de ser visto, de ser tão bom quanto, de ser o melhor.
Depois, o desejo de ser apenas você, de encontrar
alguém como você, de encontrar o seu lugar.
− “J” ou “g”? − quis
saber.
− “J”, senão fica
“desego”.
− E o que rima com desejo?
− Humm... ensejo,
revejo, percevejo... – Fez cara de quem não sabia mais o que dizer.
− Não, mãe, sério...
− Sério, não sei mais o
que rima com desejo.
Mentiu, sabia sim, mas o
filho não entenderia ainda. Desejo rima também com mudança. Muda muito ao longo
da vida. Muda a vida.
Era movida a desejos. Em
toda sua abrangência. Desejava sempre, constantemente. Não sabia não desejar. Eram
os desejos que a empurravam para a frente, que a faziam seguir, continuar vivendo,
desejando.
Um baque repentino: a
caixa de madeira cai no chão, espalhando os blocos para todos os lados.
Abaixou e ajudou o
filho a recolhê-los. De relance, viu sua frase pronta, montada no parapeito da
janela:
DESEJO SAIR
− Aonde quer ir? –
perguntou curiosa.
− Ah, sei lá, quero
sair, não quero mais ficar em casa.
Nem eu, pensou.
− Me leva ao parquinho?
− Levo. Vamos lá.
Colocou os blocos de madeira
sobre a mesa, ficariam ali, as letras vermelhas viradas para cima, à espera de mais
desejos.
Belíssimo texto!
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