Quando nasci, um anjo baldio desses
que fingem brincar de Deus disse:
Vai, Tarlei, ser feliz na vida!
E eu fui!
Rubem Alves (1933–2014) deu ao último
de seus livros o título A grande arte de
ser feliz. Não é por discordar do título, mas gosto de pensar que a felicidade
é a arte do pequeno. Quando se diz grande arte, subentende-se uma grande soma
de empenho na busca da felicidade. E aqui lembro uma frase de Jorge Luís Borges:
“A leitura é uma forma de felicidade e a felicidade não deve requerer muito
esforço”. Quero me concentrar na segunda parte da frase: “A felicidade não deve
requerer muito esforço”. Eis tudo o que penso. Começa que a felicidade é um
estado geral de contentamento com a vida. Nesse sentido, a felicidade já está
dada, já está dentro da gente. Se não estiver dentro, não estará em nenhum
outro lugar. Penso que a felicidade vem mais dos genes (a nossa fortuna
gratuita!) do que de sabedoria para viver a vida. Uma vez predispronto à felicidade, aí é ficar por conta do que possa
pronunciar essa felicidade dentro da gente. E a lista do que pode pôr um
arco-íris na nossa alma é sem fim. Pode ser uma música, um filme, um livro, uma
rosa, um beijo, um sorriso, um abraço, uma madeleine,
uma saudade, um amor, uma viagem, um sonho, uma conquista, um doar-se, um “contentar-se
de contente” – repito: a lista é sem fim. A verdade é que há muitas formas de
ser feliz – e eu prefiro todas. Minha felicidade é feita de tão pequenas
coisas, tão reduzida ao essencial, tão recolhida em si mesma, que quase posso
dizer que sou feliz por nada. Entendo que ser feliz por nada é não depender de
nenhum acontecimento exterior para estar feliz. É como me sinto. Sou o tipo que
acha sempre muita graça na vida, que fica feliz por qualquer acontecimento
ordinário. Isso não quer dizer que eu não tenha cá os meus buracos, meus
tormentos, minhas tristezas, minhas angústias... O contentamento de viver, no
entanto, se mantém para além de qualquer adversidade. Afinal, “uma pessoa feliz
não tem o melhor de tudo; ela torna tudo melhor” (autoria não localizada). Não
entendo a razão da minha felicidade, mas sei bem o quanto sou feliz. Estou com
o Rosa quando diz: “A gente só sabe bem aquilo que não entende”. Quem poderá
entender a alquimia que faz a felicidade nascer do banal, do corriqueiro, do
ordinário?! Não é mesmo coisa de entender, só de saber, de sentir. Sinto que o
melhor da felicidade vem de graça – ou quase. A felicidade é um pouco camaleoa.
Pode estar naquele cheirinho de café recém-coado que inunda a manhã e funciona como
um despertador olfativo. Naquele pão-com-ovo que se come feito príncipe. Naquele
arroz-com-feijão-bife-salada saboreado com régia majestade. Naquela música que
toca no rádio e faz rima perfeita com o lugar e o momento. Naquele caminhar na
praia com o mar lambendo areia e pés. Naquele sopro de maresia banhando pulmões
e alma. Naquele abraço que chega antes mesmo dos braços se abrirem. Naquele
sorriso que vem tanto do rosto e dos olhos quanto dos lábios. Naquela rebeldia
de guardar no armário todas as urgências que gritam sua pressa e pegar um
cineminha no meio da tarde. Naquele livro que você abre e, a bordo de suas
asas, viaja para dentro do inabarcável coração da vida. Naquela alegria que,
vinda do nada, de si mesma toma mais alegria. Naquele barulhinho de chuva na
madrugada que, ao te acordar, é mais um convite ao sono. Naquele sonhar
acordado (“Se você pode sonhar, você pode fazer” – Walt Disney). Naquele sono
constelado de sonhos bons (“Sonhar é acordar-se para dentro” – Mario Quintana).
Pode estar em tanta coisa mais! Tudo está em pôr em prática uma
máxima latina que diz: “Felicidade é desejar o que se pode, e poder o que se
deseja”. Para além da verdade dessa máxima, o certo é que quem é feliz mesmo,
pra valer, é feliz por nada – ou quase nada. Comungo por inteiro com essa
linhagem.
Tarlei, você acaba de colocar no meu coração uma enorme quantidade desse "quase nada" de felicidade que você tão bem tem espalhado por aí com os seus escritos inspirados e inspiradores! Que linda reflexão sobre o significado deste estado de espírito tão garimpado por todos nós que é o ser/estar feliz. Bom dia, amigo, com um sorriso bem grande!
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