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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Um dia fechado
 
O gato espreguiça-se sobejamente entre o vaso azul e o aquário que decora a sala. A sua vagarosa saída do seu descanso relaciona-se com o ânimo, de quem sente as frações de sol, que esquentam o tapete da sala.
Aproveita o momento, e delicadamente, salto sobre o sofá, que recolhe umas toalhas bordadas, sobras de estações passadas.
A cidade caminha urbanamente e violentamente, buzinas de carros apressados, gritos de pessoas no desespero do trabalho informal, o vendedor de dvd pirata, o pedinte, a cidade mistura todos, ninguém se salva, todos caminham para um sugestivo caos vespertino.
O barulho de vaso arrastado no apartamento ao lado, corteja o olhar do bichano, que não tem tempo de despedir-se, da mais nua realidade. Aquele som ensurdecedor não se prolonga mais do que três minutos suficientes, para fazer o pardo gato não voltar-se mais para saltar o sofá. Duas passadas expressivas e lá chegava o bichano à lavanderia. Varais entrelaçados com roupas coloridas penduradas confundiam os inertes olhos negros. Girava-se em torno do centro de gravidade daquele pequeno e úmido espaço. O tanque de roupas tinha um vazamento, que atirava gotas de água, que explodiam no piso, e, molhavam a sua pata.
A situação não o permitia continuar por ali, precisava alcançar algum outro meio, para conseguir uma iguaria apetitosa. Em sentido contrário ao tanque, contornou as peças de roupas, umas caixas de sapato e uma pilha de jornais passados. Seu estado lorde, não considerava que aquela cena estivesse realmente acontecendo, mas, na situação de buscar mastigar a fome, usou seus gracejos de gato do mato. Uma lambida, duas lambidas, um balbucio no prato de comida, e, pronto, o gato estava pronto para mais algumas horas de estulto.
Voltou-se em sentido de guarda imperial, estufou os pêlos do peito, parou no meio da sala e passou a observar o rasante dos peixes. Poucos minutos de olhares incestuosos, já sentirá suas pálpebras colidirem uma na outra.
Uma infinitude de vozes passeavam por sua memória, discursos infectados de moscas gratuitas. O pavor de perceber e não poder corrigir o lamento das discussões anteriores, de não impedir o abismo de sentimentalismo, executado, dia a dia, com a inauguração repetida de sentimento.
A volúpia de reencontrar a sala vazia, o livre desfile dos peixes, o vaso azul intacto, o deixam tranqüilo para continuar a cortejar o tempo isolado naquele ambiente.
Hoje as desventuras são figurações da memória, e agora pode voltar para seu canto e, apenas esticar as pernas quando a fome apertar, ou a sede exigir, elegantemente, o bichano se espreguiçara e prosseguira com a peleja de uma tarde sozinho.

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