1 –
Para começar, quem é Ana Elisa Ribeiro?
Aqui,
pra você, sou poetisa. Escrevo poemas desde bem novinha, mas só fui me levar um
pouco a sério quando tinha ali pelos 20 anos. Mesmo assim, não posso me levar a
sério demais. A dúvida me beneficia e acho que isso vale pra qualquer um que
lide com textos. Sou autora de uma dezena de livros, mais ou menos, entre
literários e outros. Mas sou também a mãe - estilo chata - do Eduardo. Sou
professora numa escola pública federal - estilo permissiva. Sou doutora, pesquisadora
de linguagens - estilo Capes. Sou mineira, bem mineira, dessas que comem pelas
beiradas - mas comem. Sou belo-horizontina, bem belo-horizontina, com sotaque
daqui e preguiça de viajar - mas viajo. Sou fã de Coca Cola e de sapatos de
bico redondo. Eu gosto de ser essas coisas. E gosto muito de viver a vida,
literalmente, entre textos. Sem isso seria bem mais chato.
2 – Por
onde sua poesia anda?
Minha
poesia andou por muitos lados, mas há um vetor que não me passou batido de
jeito nenhum: foi o Paulo Leminski e muito da poesia "marginal", ali
dos anos 1970. O Leminski me deixou boquiaberta pra sempre, eu adoro até hoje,
colecionei os livros, procurei em sebos, ganhei de presente, etc. Mas houve
outros, tipo o Chacal, o Torquato e o Cacaso. Muita gente acha que eu devia
mencionar a Ana Cristina César, mas não tem nada a ver. Fui pouco leitora dela.
O lance é que veem mulher escrevendo e querem logo associar a outra. Como são
poucas... forçam uma barra. Também era assim quando eu cantava rock. Logo
queriam associar à Janis, que eu nem escutava e nem curtia. Bom, minha poesia
curte muito a da portuguesa Adília Lopes, e nada a ver com a Adélia Prado.
Continuamos poucas, e boas.
3 –
Quais as dificuldades de escrever poesia, literatura, hoje?
As de
sempre. Dificuldade é o que mais tem, acho que em qualquer campo. A brincadeira
é você sair saltitando por entre os obstáculos, le parkour de sobrevivência.
Publicar é difícil, mas distribuir seu livro é mais ainda. Mas aí você quer
porque quer ter um livro de sua autoria e resolve encarar o desafio, mesmo sem
saber o tamanho dele. Ô desafio gostoso! Escrever poesia é difícil porque a
gente escreve muito, muito verso, mas poucos deles saem mesmo poesia. Precisa
selecionar, tentar, testar, persistir, insistir. Uma hora ela vem. Daí, você
junta o pouco de bom que há no muito que escreveu e edita. Acha um maluco que
queira bancar ou acha uma grana que possa pagar por isso. Vai lá. O livro tem
um ciclo de vida. Não tenho dúvida. Ele precisa existir. Vai parar nas mãos de
quem você nem imagina. Ele queima, que nem pavio. Um dia, esmorece a força
dele. E você publica outro. A vida literária precisa ser sustentada. É meio
jogar malabares, sabe? Mas é bom. Hoje há mais meios de publicar, mais pequenas
editoras dispostas, mais modos de acessar as pessoas, conversar, influir,
tentar. Assim também acho que há mais livros, mais gente conversando e
publicando. Tá mais fácil do que já foi. Mas continua sendo um desafio.
4 –
Pergunta indigesta: como é seu processo criativo?
Na
poesia, é assim: eu fico escrevendo o tempo todo, todo, todo. Na minha cabeça,
fica tudo se juntando, dançando, fazendo uma espécie de barulho. É o tempo todo
mesmo. Ouvindo as pessoas, as ideias, o mundo, as palavras, me admirando com as
palavras. Daí, um dia, eu me sento na frente do computador e abro uma página
branca do Word. E começo a escrever. São tentativas, mas elas já chegam meio
amarradas, redondas. Nem consigo mexer muito. Se estiver ruim, já apago. Começo
outro. E assim vai. Mas eu já estava escrevendo havia dias ou meses. Como
escrevo outros gêneros (crônica, conto, textos acadêmicos variados, etc.), eu
sinto que os processos sejam bem diferentes. Mas todos me mobilizam
muito.
5 –
Lendo seu livro, o Anzol de Pescar Infernos, existe todo um sarcasmo e ironia
nos poemas. É proposital ou acidental ou os dois?
É
totalmente eu. A ironia me vem quando as coisas vão mal. Eu sou aquela pessoa
que fica irônica quando está com raiva, começa a ofender o interagente, saca?
Horrível. Tenho tentado me controlar. Os poemas são irônicos porque querem
encher o saco. E a ironia é um traço da minha poesia. Não é acidental. Mas eu
sou nesse tom também.
6 –
Rilke fez a seguinte pergunta no seu livro Cartas a um jovem poeta: morreria,
se lhe fosse vedada escrever?
Não sei
se morreria. Talvez. Certamente, sentiria um tédio imenso e um sufocamento
indescritível. Não sei como alguém consegue viver sem escrever. Não sei mesmo.
Acho que deve ter um jeito de sentir a vida de um modo mais leve, mais
superficial.
7 –
Existe diferença entre a poesia escrita por um homem e por uma mulher?
Acho
que sim. Uma é escrita por uma moça; a outra, por um cara. Como são identidades
muito diferentes, provavelmente eles terão verves, assuntos, estilos, bem
próprios. Isso acontece de pessoa pra pessoa, poeta pra poeta, claro. Mas acho
que há uma chance de uma mulher-poeta escrever sobre coisas que talvez um homem
não pensasse ou sentisse. Eu acho que há poemas meus que só poderiam ser meus.
O problema de ser mulher é que a gente sempre é meio impedida de fazer as
coisas, então... fica excepcional quando a gente aparece fazendo.
8 – O
amor ajuda ou atrapalha na hora de escrever?
Os
dois. Ajuda porque pode inspirar, pode aumentar a área de contato com a vida,
pode abrir os poros. Atrapalha porque pode desconcentrar, deixar a gente meio
alheia ou avoada. Mas serve pra tudo. O amor ajuda até quando ele acaba. Aí
você escreve versos lindos de desilusão, desamor, sofrimento. Não
necessariamente pelo amor, mas sentir as coisas é legal pra alimentar a
poesia.
9
– Você está sempre escrevendo ou tem mais o que fazer?
Tenho
muito o que fazer, mas, ainda bem, consegui converter quase tudo o que preciso
fazer em algum produto escrito. Medem minha produção ou meu trabalho pela
escrita, o quanto eu escrevo e publico. Olha que coisa ótima! Não morrerei de
fome, nem de Lattes minguado, enquanto for assim. Minha medida é escrever.
Inclusive é meu ganha-pão, embora não seja exatamente a poesia. Eu vivo
escrevendo. Mas dei sorte e fui atrás disso.
10 –
Para terminar, gostaria de dizer algo?
Os
livros precisam existir. O voo deles ninguém sabe onde vai dar.
1 comentários:
Delícia de entrevista! Maravilhoso ponto de vista! Estou cada dia mais fã desta mineirinha!
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