Joaquim Bispo
Com
um pedaço de barro se fez o Homem – diz o texto antigo.
Com
um pedaço de pasta de moldar encho as mãos. Amasso-a, aqueço-a como massa de
pão. Sinto que não há nada mais sensual. Sem que as procure, surgem-me formas
orgânicas. Afinal, vivemos rodeados de seres, de pessoas. Crio espessuras,
rotundidades. Faço estiramentos. A pasta é infinitamente moldável, maleável,
modelável. Obedece submissamente aos movimentos não pensados das minhas mãos.
Surgem cabeça, tronco, ancas, primeiro como meros esboços de volumes, depois em
refinamentos de formas femininas. Crescem membros delicados. A textura do
material, acetinada, torna-se cúmplice. Irrompem seios, dedos, faces.
Perfeita,
a figura feminina reclina-se na minha mão, mansamente. A ilusão de vida é
total. Uma emoção perturbadora apodera-se de mim. O quê? Como?
Uma sombra de tristeza primordial
instala-se nos meus olhos.
* * *
[Miniconto integrante da antologia do I Concurso de
Minicontos Autores S/A – 2013]
9 comentários:
Curto e bonito.
Todo criador se apaixona pela sua obra, não? Tirar vida do barro, ou fazer nascer uma mulher culta de uma mulher simples, enfim, transformar o quase nada em tudo. Acho que os escritores somos todos Pigmaliões, não? No final, nossa obra se torna maior e apodera-se de nós.
Hora de modelar uma maçã e uma serpente. Abs
Obrigado!
Sim, envergonho-me de reconhecer alguma falta de humildade, mas gosto muitas vezes dos textos que escrevi. No entanto, sempre lhes introduzo pequenas alterações, quando volto a usá-los.
Esta peça tem 25 anos e foi realmente perturbadora, talvez por ser iniciante na arte.
hahahaha Vi agora o final! De romântico a sensual, foi isso que os 25 anos lhe causaram! Vão-se os anos,mudam-se os finais...
Desculpem ter alterado, pela segunda vez, a frase final. De sensual a trágico?
Em 25 anos dá para notar a mudança de tom e estilo, Joaquim. Não saberia dizer qual destes dois Joaquins prefiriria.
O artista, além de fingidor, é um incompreendido: quando fala em peça com 25 anos, refere-se a uma estatueta em pasta de moldar, mas entendem-na como peça de escrita... :(
Algo me diz que você ainda vai mudar esse final outra vez...
KKKKKKKKKKKKKKKKKK
É por aí, Joaquim, é por aí!
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