Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

sábado, 18 de maio de 2013

A PRIMEIRA BICICLETA


Otávio Martins

    A primeira bicicleta era apenas uma referência a certo período da sua infância.  Somente foi aprender a andar em uma, quando já era adolescente, lá pelos seus doze ou treze anos de idade.

   Quando tinha sete anos, seu pai perguntou o que é que ele gostaria de ganhar naquele Natal, do Papai Noel. Não titubeou em responder-lhe que queria ganhar uma bicicleta.

   Toda a tarde costumava ir para frente da sua casa e ficar, por um bom tempo, a olhar a passagem dos bondes – alguns com reboque – quase todos superlotados; a maioria dos passageiros era de operários que voltavam para as suas casas. Os que não vinham nos bondes usavam bicicletas como meio de transporte. De bonde ele já tinha andado várias vezes, o que lhe fascinava era a possibilidade de um dia poder manejar uma bicicleta, igual àquelas dos operários que passavam todos os finais de tarde, bem ali à sua frente.

   Seu pai só voltava da marcenaria do avô - pai de sua mãe – onde trabalhava, no início da noite. Com o irmão, costumava brincar de escolher uma bicicleta dentre as tantas que passavam. Quem visse primeiro seria o “dono”. Tinha que ter o olhar atento para gritar de pronto: “Aquela é minha!” Seu irmão era mais velho e quase sempre conseguia ficar com as mais bacanas e mais bem equipadas: dínamo, farol, bagageiro e até umas com aro de corrida e pneus de borracha maciça – sem câmara; campainha inoxidável e tudo. Tinha uma Halley Sport prateada, que era o seu xodó. Só uma vez conseguiu ganhar do seu irmão e ficar com ela. O sujeito passava o mais próximo possível de onde ele costumava ficar sentado, numa marcha muito lenta, dando a impressão que assim o fazia só para aguçar a sua evidente admiração e inveja.

   Ao lado da casa onde morava, tinha uma fábrica de inseticida, o qual era acondicionado em vidros pequenos, médios e grandes. Para usá-lo era necessário que fosse colocado naquelas máquinas de flits - bombas como costumavam chamar. Era, literalmente, uma fábrica de fundo de quintal.  As entregas dos produtos eram feitas em bicicletas. Tinha como cinco ou seis equipadas com grandes bagageiros; uns traseiros e outros – com as quais ele mais se adaptava – acima da roda dianteira, que parecia proporcionarem mais equilíbrio. Foi numa dessas que o filho do dono da fábrica ensinou-lhe a andar. Depois, para arranjar alguns trocados, escondido do seu pai, passou a fazer, principalmente aos sábados, algumas entregas ali por perto. Foi o primeiro e melhor trabalho de toda a sua vida. Sua mãe, provavelmente sabia, o cheiro de inseticida ficava impregnado na roupa. Era assim que ele garantia algum trocado extra para o cinema, aos domingos de tarde.

   No Sete de Setembro morria de inveja de alguns de seus colegas que desfilavam em suas bicicletas enfeitadas com pequenas bandeiras brasileiras, uma de cada lado do guidão; entrelaçadas com os raios, as tiras de papel crepom verde e amarelo refaziam o desenho das rodas, formando espirais que lembravam cata-ventos, produzindo um efeito de embaralhar a vista. E ele, lá atrás, marchando feito um pequeno soldado.

  Mais tarde, já no ginásio, passou a sair na banda, que desfilava logo depois da apresentação da escola. Na frente, os ciclistas, faixas, estandartes, bandeiras... Foi salvo pelo ouvido; tocava flautim – ou flauta doce. O fardamento era um luxo: Quepe, túnica com botões e galões dourados, polainas de couro brancas. Porém, o pelotão das bicicletas – que era o sonho guardado - jamais alcançou.

   Naquele Natal, ganhou um caminhãozinho todo feito de madeira, com carroceria alta, molas e, até, estepe; réplica perfeita de um caminhão de verdade, toda envernizada. Reconhecia que era uma jóia – seu pai era ótimo nesse tipo de trabalho – mas não

poderia se comparar à sua tão esperada bicicleta. Jamais falou isso para o pai.

      A partir daquele Natal nunca mais esperou nada do Papai Noel.

Share




0 comentários:

Postar um comentário