Chamou a
atenção do motorista e de alguns passageiros quando subiu, cambaleante, os
degraus do ônibus, parecendo embriagada. Algumas mechas caíam-lhe do rabo de
cavalo malfeito, grudando-se ao suor do rosto lívido. O corpo encurvado, a mão
trêmula sobre o ventre e o rosto que se contorcia em esgares faziam pensar no
que estaria acontecendo àquela menina magra de pouco mais de 18 anos. Olhos
baixos, como se a claridade a incomodasse, aceitou o lugar que lhe foi
oferecido por milagre no veículo lotado. Tão logo se sentou, sentiu as carnes
repuxando por dentro e uma dor muito forte no peito, impedindo-a de respirar.
Alguma coisa não tinha dado certo. Ela ainda podia sentir os ferros da fazedora
de anjos arrancando, indiferente, o seu destino indesejado. Por entre as pernas dormentes,
escorreu um sangue escuro, sujando a calça jeans surrada, mas ela manteve as
duas mãos pressionando a barriga, mostrando que só ali havia sofrimento. Quase
desfalecida, foi deixada por uma alma anônima num hospital público, onde morreu
sozinha no chão sujo do banheiro, poucas horas depois, esperando
atendimento. Antes de fechar os olhos para sempre, escutou o chorinho fraco de
bebê e a voz de criança que lhe pedia: “Vem, mamãe, vem também!”.
13 comentários:
Oh! Assim, não vale.
Tão profundo, tão próximo da triste realidade do nosso Brasil!
Lindo texto Cinthia!!!
Um abraço
Obrigada, Daniel! É verdade, não? Triste realidade.
Meu amigo Joaquim, dureza, não?
credo Cinthia! esta foi em cheio na minha fraqueza!!
e nem palavra a mais e nem palavra a menos!Bingo no leitor que sou eu, de vez em quando, assim, desprevenida!
Assim não vale mesmo, Cinthia. Além da dura realidade, esse final faz a gente engolir em seco.
Fátima, acho que se nós duas lançássemos um livro em conjunto, sobre mulheres e seus dramas, íamos vender os exemplares junto com uma caixinha de lenços de papel. A gente vive, vive e acaba por conhecer tantas histórias, tantas tristezs, hein, minha amiga? Obrigada!
cecilia, há que se tentar enxergar dos dois lados, não? ou seriam quantos lados nessas questões tão delicadas? Bjs e obrigada.
" íamos vender os exemplares junto com uma caixinha de lenços de papel" :)
Texto de rasgar o coração, de fazer nossos minadouros portáteis desaguarem "milágrimas"...
Abs,
Tarlei
Obrigada pela leitura e comentário, Tarlei.
Qual dura crueldade estampada numa cruel realidade de uma vida, numa Sociedade sofrida por Socialmente desprovida do essêncial,
porque despida de Justiça... Forte,mas Real! Forte como é hábito...
Um muito obrigado, Réjo Marpa
Obrigada pela leitura e comentário, Réjo Marpa!
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