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terça-feira, 23 de abril de 2013

Um filme à meia-noite (final)

(Maristela Scheuer Deves)

Correr no escuro, num lugar cuja geografia lhe era desconhecida, não era nada fácil. Depois de sair de sua fileira de poltronas, tentou seguir em frente, porém a falta das luzes de localização dificultava a tarefa. Tropeçou mais duas ou três vezes, mas levantou-se e seguiu, impulsionada pelos rosnados que se aproximavam.

Por fim, ao cair novamente, resolveu diminuir o ritmo e usar as mãos para tentar se localizar. Se tateasse nas paredes, talvez conseguisse encontrar mais facilmente a porta. Respirou fundo (o mais silenciosamente possível) e começou a colocar o plano em prática. Foi então que percebeu que algo não estava certo.

É claro que a escuridão total e os barulhos inumanos atrás de si também não eram algo corriqueiro, entretanto o que sentia com suas mãos decididamente era ainda mais estranho. Em vez da parede ou de poltronas, parecia estar tocando em um tronco de árvore. Tateou em outra direção, e sentiu como se estivesse encostando em uma pedra. Mas como poderia ser, pedra e árvores dentro do cinema? Até porque não havia nada disso ali quando a sessão começara...

Nesse instante, sentiu uma brisa fraca balançar-lhe os cabelos. Seria o ar condicionado da sala, que estava voltando a funcionar? Isso significaria que a energia voltara, as luzes se acenderiam, o filme reiniciaria e tudo retornaria ao seu normal? Só que aquilo não era ar condicionado, percebeu logo, com um arrepio. Era vento, um vento gelado... Mas como, se estava em um ambiente fechado?

Alguma coisa passou zunindo pela sua direita, bem próximo dela, e por pouco não gritou. Não era a coisa que a perseguia, tinha certeza, era mais como se ele, ou alguém, tivesse atirado algo. Cuidadosamente, deu dois passos naquela direção, sempre tateando à frente. Tocou em algo que parecia suspenso no ar, mas que na verdade estava cravado no que antes parecera uma árvore. E o que ela tocava agora (como podia ser?) assemelhava-se a uma flecha!

Com um arrepio ainda mais forte que o anterior, lembrou-se da cena do filme, logo antes de as luzes se apagarem: a flecha vindo em sua direção... Não, aquilo era loucura, simplesmente loucura! Levar um susto vendo uma projeção em 3D era uma coisa, mas sentir a flecha ali, ao alcance da mão, era algo impossível. No entanto, era isso que seus dedos tocavam.
Embora soubesse que estava acordada, beliscou-se para ter certeza, mordendo os lábios para não gemer. Respirou fundo outra vez, agora sem se preocupar em fazer barulho - o rosnado, ao menos por enquanto, cessara. Sentiu cheiro de mato, o que não tornou as coisas mais fáceis. Abaixou-se e tocou o chão: terra e folhas secas. Na sua memória, reviu as cenas iniciais do filme: um grupo de jovens caçadores perseguindo monstros em meio a uma floresta. Lobisomens.

Como se evocada pela lembrança, a coisa voltou a rugir atrás dela. Agora, o barulho estava mais reconhecível: já o ouvira em dezenas de filmes semelhantes. Só que, desta vez, ele estava fora da tela. Ou talvez ela é que entrara na história. Não teve tempo para saber qual das alternativas era a correta. Uma mão que mais parecia uma garra agarrou o seu braço, e ela teve a certeza de que aquele era o fim do filme - ao menos, para ela.

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Maristela Scheuer Deves
Jornalista por formação e escritora por vocação. Atua como editora assistente de Variedades no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul/RS, em cujo site também mantém o blog Palavra Escrita, voltado ao mundo dos livros. Escreve desde que consegue se lembrar, e atualmente prepara para publicação seu terceiro livro, o infantil "Os Deliciosos Biscoitos de Oma Guerta", contemplado pelo Financiarte. De sua autoria, já estão nas livrarias o romance policial "A Culpa é dos Teus Pais" e o infanto-juvenil "O Caso do Buraco".
todo dia 19


1 comentários:

Final surpreendente do thriller. Também surpreendente o sangue frio e a racionalidade da protagonista num ambiente tão estranho e hostil. Provavelmente, não há outra maneira de fazer avançar a trama. O medo paralisante ou o pânico irrefletido que exige fuga cega não serviriam.

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